sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

30 FALHAS NO EIA-RIMA DO RIO MADEIRA

FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo 151
Anexo 8
Estudos Não Confiáveis:
30 FALHAS NO EIA-RIMA DO RIO MADEIRA*
Amigos da Terra - Amazô Brasileira
IRN - International Rivers Network
Novembro - 2006
Introdução
Em 26 de junho de 2006, o Ministério Público Estadual de Rondônia e o Consórcio formado pelas empresas Odebrecht e Furnas assinaram um Termo de Compromisso para a realização de uma série de estudos sobre os documentos que fazem parte do processo de licenciamento do conjunto hidrelétrico do Rio Madeira. O Termo estabeleceu que o mesmo produziria efeitos legais a partir de sua assinatura e teria eficácia de título executivo extrajudicial, na forma dos artigos 5°, § 6° da Lei n. 7.347/85, do artigo 79-A, da Lei 9.605/98 e do artigo 585, inciso VII, do Código de Processo Civil. Além disso, o Termo convidava o Ibama a aderir ao mesmo ao “considerar os resultados do relatório entre os condicionantes” do processo de licenciamento.
No âmbito do convênio, foi contratada a empresa de consultoria COBRAPE, de São Paulo, que foi remunerada diretamente pelo consórcio empreendedor. Foram sub-contratados 19 especialistas reconhecidos em diversas disciplinas, aos quais foram submetidos os estudos realizados com o objetivo de obter o licenciamento do empreendimento, e que deveriam ser discutidos em audiências públicas.
Neste documento, são extraídos os 30 principais questionamentos entre os muitos outros considerados falhos pelos especialistas: dessa forma é colocada potencialmente em xeque a viabilidade do mesmo e, com certeza, a legitimidade dos documentos produzidos para efeito de licenciamento. Alguns questionamentos também levam a considerar parcialmente inadequados os próprios termos de referência originais estabelecidos pelo órgão licenciador.
A seguir, são apresentadas citações agrupadas em nove capítulos temáticos, com a menção do especialista autor de cada questionamento. Na opinião de Amigos da Terra – Amazônia Brasileira se faz legalmente necessário, entre outras providências, adequar os estudos do EIA-RIMA para fazer frente aos 30 pontos aqui listados, assim como disponibilizar os documentos atualizados, antes de convocar as audiências públicas em toda a área de efetiva abrangência do empreendimento.
* Resumen de los estudios encargados por el Ministerio Público de Rondonia por reconocidos científicos mundiales en relación a los estudios de impacto ambiental. El documento completo se denomina: Pareceres dos Consultores sobre os Estudo de Impacto Ambiental do Projeto para Aproveitamento Hidrelétrico de Santo Antônio e Jirau, Rio Madeira – RO. Consultor: Ms. Silas Antônio Rosa 152 FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo
ASPECTOS GERAIS E FOCO
1. Abrangência Equivocada: Falta Estudar a Hidrovia
“Não há como não considerar que as Usinas Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau têm que, obrigatoriamente, se inserir numa visão de futuro em que não somente são previstos um complexo de quatro usinas hidrelétricas, um gasoduto, uma ferrovia e uma malha hidroviária de 4.200 km navegáveis para integração de infra-estruturas de energia e de transportes no Brasil e entre Brasil, Bolívia e Peru e, com possíveis desdobramentos, em direção ao Pacífico.”
“Na escolha dos locais para as usinas, a previsão do futuro aproveitamento ficou explicita pela opção por uma alternativa que tornava viável a navegação no rio Madeira em detrimento de outras opções que poderiam ser implantadas se a questão se resumisse ao melhoraproveitamento energético: daí a opção final pelos locais escolhidos- um na cachoeira de Jirau, a aproximadamente 130 km de Porto Velho, e outro, na cachoeira de Santo cachoeira de Santo Antônio, nas proximidades de Porto Velho”. (Sílvio Rodrigues Persivo Cunha1)
“Em maio de 2006 o Ministério das Minas e Energia deixou claro que nenhuma decisão foi tomada sobre a construção de eclusas (Brasil, MME, 2006). A pergunta fundamental é se o adiamento de uma decisão sobre as eclusas perdoa os proponentes das represas de qualquer responsabilidade por considerar impactos da hidrovia nos estudos de impacto ambiental [grifo nosso]. Pondo as eclusas nas barragens de Santo Antônio e Jirau implica que a barragem de Guajará-Mirim será aprovada e será construída. Esta Represa seria localizada entre as cidades de Abunã e Guajará-Mirim. Na prática, fazer um grande investimento de antemão cria uma força política que geraria pressão sobre reguladores para aprovar a represa subseqüente.
Uma solução para minimizar este efeito seria de apenas deixar o espaço para posterior
construção das eclusas, sem as construir de fato.” (Philip Fearnside2)
2. Área Alagada Pode ser o Dobro do Estimado
“Tomando como exemplo a área de entorno da Usina do Jirau, mostrada pela Figura número 8 do RIMA, uma redução em 20 m no nível base do MDE resultaria num aumento dos limites da área alagada até a curva de nível de 95 m, o que representaria um aumento de mais que 100% na área alagada [grifo nosso] mostrada na figura. Se esse erro realmente ocorreu, todos os estudos de impacto realizados até o presente momento seriam comprometidos [grifo nosso]. As áreas de influência direta e indireta teriam que ser redefinidas e todos os estudos e simulações refeitas.” (Bruce Forsberg3)
1. Silvio Rodrigues Persivo é economista e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará.
Foi professor da Faculdade de Ciências Administrativas e Tecnologia (FATEC) de Porto Velho e é consultor da Federação do Comércio do Estado de Rondônia (Fecomércio).
2. Philip Martin Fearnside é graduado em biologia pelo Colorado College (EUA) e PhD em Ciências Biológicas pela Universidade de Michigan (EUA). Atualmente, é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus (AM).
ANEXO 8
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3. Diagnóstico Genérico, Faltam Análise e Conclusões Consistentes
“O Estudo traz uma grande quantidade de informações para as três áreas de influência
nos itens descritos como “aspectos socioeconômicos”: histórico da ocupação, análises setoriais, dados secundários (quando existentes), descrições das populações indígenas, etc. Avalia-se, entretanto, que as informações, além de restritas às áreas de influência definidas e a determinados indicadores, não são conclusivas ou analíticas, limitando-se a descrever e diagnosticar, sem que as relações sejam estabelecidas de maneira consistente.”
(Simone Tavares Coelho4)
“De um modo geral, podemos afirmar que o diagnóstico e as propostas do EIA/RIMA ficaram num nível de generalidade, pouco adequada à magnitude do empreendimento. As medidas propostas são poucas e superficiais e embora saibamos que os empreendedores não podem assumir o papel do Estado, uma maior precisão se faz necessária, principalmente naquelas que afetam diretamente a qualidade da vida da população local.” (Simone Tavares Coelho4)
4. Fuga dos Problemas Complexos
“O EIA especifica... a exclusão de trecho que pudesse implicar em possíveis impactos
sobre a Bolívia obrigando o projeto a ser binacional. Esta opção por fugir dos problemas mais complexos também se reflete na definição das áreas direta e indiretamente atingidas pelo empreendimento. Neste caminho há uma clara opção por querer restringir ao Município de Porto Velho, principalmente os impactos sócio¬econômicos, por razões de custos e de abrangência, quando não há como não deixar de considerar que a construção das Usinas de Jirau e Santo Antônio é um projeto de dimensão e impacto regional, que tem conseqüências imediatas sobre as condições de vida, reorganização econômica e o fluxo migratório do Estado de Rondônia.” (Sílvio Rodrigues Persivo Cunha1)
TERRITÓRIO E POPULAÇÃO
5. Neglicenciados estimativa e impactos do aumento populacional
“Não se pode aceitar que, como está explicitado no EIA/RIMA, o impacto populacional
seja tão pequeno quanto o calculado, quando as experiências históricas locais são de que existe uma alta atratividade para a região e ainda mais, por outros projetos já realizados, o retrospecto é de que os impactos fizeram com que as populações dessem saltos bem além das expectativas.” (Simone Tavares Coelho4)
3. Bruce Forsberg é biólogo pela Michigan State University (EUA) e é pós-doutorado na Especialidade de Ecologia de Ecossistemas na University of Washington (EUA). Atualmente é pesquisador e professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
4. Simone de Castro Tavares Coelho é socióloga e doutora em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo. É consultora autônoma, especialista em Políticas do Terceiro Setor.
ANEXO 8
154 FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo
“A projeção do aumento populacional está sub-dimensionado e não reflete o aumento da migração decorrente de uma grande obra.” (Artur de Souza Moret5)
6. Impactos sobre o Território Estudados Superficialmente “Faltam informações imprescindíveis para avaliação da adequabilidade das propostas (que também não consideram a implantação das UHEs). Também não foram encontradas referências sobre estudos e propostas da organização territorial para as vilas e vilarejos do município. O EIA–RIMA e outros estudos complementares tratam superficialmente dos
rebatimentos dos impactos sobre o território.” (Rajindra Singh6)
“Não foram incorporados nos estudos e propostas do Plano Diretor da cidade de
Porto Velho os impactos territoriais decorrentes da implantação das hidrelétricas de
Santo Antonio e Jirau. Convém lembrar que a percepção adequada e a solução dos
mesmos possuem caráter fundamental à viabilização do desenvolvimento integrado
sustentável e à garantia de adequada qualidade de vida à população da cidade e do
município.” (Rajindra Singh6)
7. Falta Relação com o Desenvolvimento Regional e Local
“As medidas de mitigação/compensação do empreendimento, sobre as infra-estruturas viárias afetadas (rodo, fluvial e ferroviária), bem como sobre portos, estações e terminais rodoviários devem ser inseridas no contexto global do desenvolvimento (da
macro-região, do estado, da área de Reorganização Territorial e da cidade de Porto
Velho).” (Rajindra Singh6)
IMPACTOS NA BOLÍVIA
8. Omissão sobre o Alagamento em Território Boliviano
“Mesmo que o efeito de sedimentação esteja ignorado, a água do Reservatório de Jirau afetaria a Bolívia. Ao nível operacional normal de 90 m sobre nível do mar, o reservatório estende a montante de Cachoeira Araras, onde a Bolívia limita o Rio Madeira e onde o nível de água é só 85,0 m sobre o mar durante o período de vazante, de agosto a outubro (Molina Carpio, 2005, pág. 109). O estudo de viabilidade também indica isso durante os períodos de fluxo baixo (5.600 m3/s) e de fluxo médio (16.600 m3/s): mesmo sob o plano de operação e em níveis variáveis de água, o nível de água aumentaria na altura da confluência com o Rio Abunã, situado 119 km a montante da barragem de Jirau, este local sendo o 5. Artur de Souza Moret é Doutor em Planejamento Energético pela Unicamp e professor da Universidade Federal de Rondônia.
6. Rajindra Kaur Singh é arquiteta pela Universidade Federal do Paraná e especialista em Desenvolvimento Territorial Regional e Análise Sócio-econômica.
ANEXO 8
FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo
155 começo do trecho onde o Rio Madeira forma a fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Esta elevação do nível d’água significa que terra na Bolívia que normalmente está exposta ao período de água baixa seria inundada durante estes períodos (Molina Carpio, 2006). Também a sedimentação elevará o nível do leito fluvial do Madeira na altura da boca do Rio Abunã, assim criando um efeito de represamento que elevará níveis de água no Rio Abunã. O Rio Abunã é binacional, formando parte da fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Não foram incluídos efeitos neste rio no estudo de viabilidade e nos relatórios do EIA e RIMA. Além disso, isto se refere ao nível operacional normal, embora o máximo maximorum estaria em 92 m sobre o nível médio do mar, assim implicando que ainda mais inundação na Bolívia ocorreria quando acontecem fluxos mais altos que os normais.” (Philip Fearnside2) SEDIMENTOS E EROSÃO
9. Modelos monodimensionais para analisar processos
tridimensionais
“Modelos unidimensionais foram utilizados para simular os processos sedimentológicos e biogeoquímicos em cada reservatório, logo após o seu fechamento. Porém esses processos são, por natureza, tridimensionais e complexos e o uso de modelos simples demais para representá-los tende a produzir resultados inadequados para a avaliação dos impactos esperados.
Como as dimensões lateral e vertical não foram consideradas no modelo, não foi
possível prever a real distribuição dos sedimentos, de habitats e da biota esperada após o fechamento das barragens. Uma menor correnteza, uma maior densidade da vegetação alagada e uma maior tendência à anóxia são esperadas nas margens laterais dos bolsões. A falta do oxigênio pode restringir o desenvolvimento de diversos grupos faunísticos e também promover a metilação e biomagnificação do mercúrio nestas regiões.” (Bruce Forsberg7)
10. Análise do potencial de eutrofização inadequada
“O aumento da taxa de sedimentação, e da penetração de luz, a montante pode desencadear um rápido incremento da proliferação de algas e também do crescimento de
macrófitas aquáticas nas regiões de Remanso, bacias e braços do futuro reservatório. Florações de cianobactérias e um crescimento muito rápido de macrófitas flutuantes e emersas podem ocorrer... Para o caso específico do Rio Madeira, fósforo e nitrogênio dissolvidos podem ser suficientes para desencadear processos de eutrofização que tem conseqüências indesejáveis referentes à qualidade da água, principalmente para abastecimento público e até mesmo para a geração de hidroeletricidade” (José Galizia Tundisi8)
7. Bruce Forsberg é biólogo pela Michigan State University (EUA) e é pós-doutorado na Especialidade de Ecologia de Ecossistemas na University of Washington (EUA). Atualmente é pesquisador e professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
8. José Galizia Tundisi é historiador e livre-docente em Limnologia na Universidade de São Paulo. Foi pesquisador e presidente do Instituto Internacional de Ecologia.
ANEXO 8
156 FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo
11. Sedimentação: Foco Inadequado e Cálculos Inconsistentes
“A análise das questões relativas a estudos sedimentológicos deve sempre considerar a bacia hidrográfica como unidade espacial para avaliação do problema em foco. O estudo apresentado ressalta inclusive que o Rio Madeira é um dos rios de maior carga sedimentar do mundo, resultado de processos erosivos que se iniciam nas suas cabeceiras, na região da Cordilheira dos Andes.” (José Galizia Tundisi8)
“Considerando essa alta complexidade da natureza da bacia hidrográfica contribuinte
do rio Madeira, torna-se imprescindível a análise da produção de sedimentos em toda a
bacia, cujas taxas podem estar relacionadas à suscetibilidade natural e/ou induzida pela ação antrópica. Os dados sedimentométricos observados por diversos autores para o rio Madeira, que foram apresentados pelo projetista, apresentam contradições decorrentes de uma falta de um histórico de descargas sólidas confiável e suficiente. Todo o cálculo de assoreamento realizado pelo projetista está baseado na relação de 95% para a carga em suspensão para 5 % no leito em Porto Velho e de 93% para a carga em suspensão para 7% o leito em Abunã, ou seja, as amostragens realizadas pelo projetista não conferem com os dados obtidos por outros autores.“ (José Galizia Tundisi8)
12. Análise Insuficiente do Impacto de Erosão nas Margens e a Jusante
“O Madeira é um rio dinâmico, em plena atividade de erosão dos seus antigos
depósitos sedimentares e geração de depósitos atuais’ [citação do EIA], ou seja, se
ocorrer aumento das vazões pelo aumento das precipitações em território boliviano,
aumentarão os processos erosivos de canal do rio;”
“2) (...) os processos erosivos que foram observados podem ser classificados, numa
ordem decrescente de importância, nas seguintes categorias: (...)
III. ‘Voçorocamento nas margens [grifo nosso] do rio Madeira causado pela presença de
fontes naturais e igarapés (aqüíferos livres)’ [citação do EIA]. Esse problema certamente ocorrerá com o enchimento dos lagos e elevação do freático local, atingindo as margens a aumentando o aporte de sedimentos aos reservatórios, não provenientes do canal do rio;
(...) 3) ‘o Rio Madeira está, atualmente, na área estudada, com o processo de sedimentação preponderando sobre o processo erosivo. Destaca-se, ainda, que a sedimentação atual está condicionada, basicamente, nas margens e leito do rio e, muito raramente, na planície de inundação, uma vez que o rio Madeira apresenta, na sua morfologia, percurso dominantemente retilíneo e vale encaixado’ [citação do EIA]. Quando ocorrer a implantação dos reservatórios favorecerá ainda mais a deposição dos sedimentos ao longo do curso de montante e favorecerá a erosão a jusante [grifo nosso], uma vez que a carga de sedimentos depositada
não será transferida para jusante.” (José Galizia Tundisi8)
ANEXO 8
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13. Subestimação de sedimentos e erosão, por metodologia inadequada
“Os valores de descarga sólida do leito, por não terem sido adequadamente amostrados, estão subestimados. Os dados obtidos pelas campanhas sedimentométricas não puderam determinar com a precisão necessária a granulometria e a carga do leito, tornando as modelagens subseqüentes vulneráveis em sua confiabilidade.” (José Galizia Tundisi)
“A figura 3.6 do capítulo apresenta um aumento da erosão/transporte na bacia do período 1978-1990 para o período 1991-2004. Possivelmente, a diferença das declividades das curvas é muito maior, se considerarmos que os dados coletados por Furnas estiverem subestimados [grifo nosso]. Da mesma forma a figura 3.7 que apresenta o diagrama de dupla massa de descarga sólida X descarga líquida acumulada deve estar falseada pelas amostragens [grifo nosso], e consequentemente o aumento de 1,83% ao ano estimado para as taxas de erosão deve ser maior. A modelagem HEC-RAS adotada, por conseqüência, pode estar correta em sua aplicação, mas como baseia-se na curva chave de sedimentos também não deve ser considerada validada [grifo nosso]. Na medida em que o reservatório vai perdendo o volume pelo assoreamento, sua capacidade de retenção tende a zero, em qualquer das hipóteses consideradas, com sedimentos finos ou grosseiros. Nesse ponto específico, parte da quantidade de troncos depositados nas áreas de remanso não seria carreada para a tomada d'água, podendo constituir depósito de material heterogêneo não previsível nas modelagens (...)” (José Galizia Tundisi8). (...) é sabido que com o assoreamento do canal do rio, além do incremento de velocidade ocorrem processos erosivos nas margens [grifo nosso] decorrentes do aumento da velocidade do escoamento marginal, uma vez que Rio busca ‘compensar’ a perda hidráulica no canal escoando com maior eficiência pelas margens, promovendo além do alagamento esperado a remoção de sedimentos e matéria orgânica depositados nas margens previamente. Ao mesmo tempo, a existência de depósitos de assoreamento no remanso dos reservatórios pode servir de anteparo ao fluxo de sedimentos mais grosseiros e troncos, fazendo com que o depósito evolua para montante, podendo alterar as áreas de remanso [grifo nosso]” (José Galizia Tundisi8)
14. Estimativas Imprecisas de Sedimentação
Geram Inconformidade nos Cálculos da Vida Útil das Barragens
“Os dados sedimentométricos apresentados pelo projetista foram coletados com base em amostradores de sedimentos em suspensão, enquanto que os sedimentos do leito não foram coletados pela inexistência de amostrador específico no Brasil. Desta forma entende-se que a estimativa da carga sedimentar do leito não foi adequadamente realizada [grifo nosso], conforme ressalta o próprio projetista. O resultado final deixa a desejar, sendo muito impreciso [grifo nosso]. Então, a medição do sedimento do leito por processo
ANEXO 8
158 FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo direto foi abandonada. A não medição a determinação confiável da carga do leito, que
certamente deve apresentar natureza móvel, produz inconformidade nos cálculos subseqüentes.” (José Galizia Tundisi8)
15. Omissão sobre Possível Prejuízo para Santo Antonio
“A diferença de menos de 2 m entre o topo da pilha antecipada de sedimentos e o topo da parede de retenção parece muito pequena, dadas as incertezas prováveis no
cálculo. Nenhuma indicação do grau de certeza é dada no EIA e nenhum teste de sensibilidade é apresentado. Nada é dito sobre quais conseqüências poderia ter se os sedimentos fossem ultrapassar o topo da parede de retenção, que é planejada para
“garantia do não assoreamento das tomadas d’água durante o horizonte do estudo
(100 anos)”. (Philip Fearnside2).
PEIXES
16. Falta Identificar as Espécies mais Afetadas.
“A lista de espécies apresentada não especifica quais seriam as espécies endêmicas ou de distribuição restrita mais vulneráveis ao empreendimento, ou seja, aquelas mais associadas ao ambiente de corredeiras. Não ficou caracterizado quais eram espécies relacionadas ao ambiente de correnteza ou não. Estas espécies devem ser monitoradas ao longo do processo da construção das hidrelétricas e também durante o período de geração de energia. Deste modo, é essencial que se conheça quais são as espécies endêmicas ou de distribuição restrita que devem ser monitoradas.”(Ronaldo Barthem9 e Michael Goulding10)
17. Incerteza sobre a Viabilidade da Transposição de Peixes
“A interrupção das rotas migratórias dos peixes é uma conseqüência comum decorrente da construção de represas hidrelétricas. A construção de mecanismo de transposição é uma forma de contornar esta situação, permitindo o acesso do peixe ao trecho a montante. Nem sempre esta solução é viável, pois quando há um imenso lago artificial a montante há a possibilidade dos peixes reofílicos se desorientarem e não concluírem o seu percurso... Estudos para elaborar mecanismos de transposição e a construção dos mesmos devem ser iniciados o quanto antes, para que não haja interrupções no repovoamento à montante das espécies migradoras. Como o evento migratório nas cachoeiras do rio Madeira é pouco conhecido, estudos de observação de cardumes migradores que
9. Ronaldo Borges Barthem é graduado em biologia marinha pela Universidade Federal do Rio de Janeiroe doutor em Biologia de Água Doce e Pesca Interior, pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
10. Michael Goulding é Professor Doutor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
ANEXO 8
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sobem estas cachoeiras devem ser realizados imediatamente para poder subsidiar a construção de mecanismos de transposição. É importante conhecer quais são as espécies que conseguem ultrapassar Santo Antônio e Jirau e quais as que não conseguem. Estes estudos devem ser iniciados antes do início das obras e mantido ao longo do processo de construção.” (Ronaldo Barthem9 e Michael Goulding10)
18. Falta Estudar Mortandade de Ovos e Larvas em Turbinas e Leito
“O bloqueio do rio não impede apenas a subida dos peixes migradores. A reprodução dos peixes pode ser comprometida quando houver algum impedimento que limite a descida dos ovos e larvas para os trechos a jusante. (...) O processo de geração prevê a concentração da força da correnteza do rio nos canais de adução e na casa de força, a fim de impulsionar as turbinas, que neste caso estarão dispostas horizontalmente. A pressão da água nestes compartimentos é exagerada e pode ser um fator multiplicador da taxa de mortalidade de ovos e alevinos dos peixes migradores em geral. A situação se agrava no período de seca, quando 100% da descarga passa pelas turbinas. Novamente, estudos sobre a descida de ovos e larvas devem ser feitos para estimar os períodos críticos, quando há maior concentração, tanto em relação aos meses do ano quando às horas do dia. (Ronaldo Barthem9 e Michael Goulding10)
“O processo de assoreamento do reservatório exige que medidas sejam tomadas para evitar dificuldades operativas e comprometimento da durabilidade dos equipamentos hidromecânicos. Prevê-se, para isso, a construção de diques submersos a montante do canal de adução da tomada d’água de Sto. Antônio e de uma cota de segurança do canal de adução de Jirau (Estudos sedimentológicos do rio Madeira; pgs 8.9-8.10). A redução da correnteza como um todo e em especial a do fundo do rio, com a construção de um remanso submerso, pode permitir a deposição de ovos/larvas no leito do rio, especialmente de Bagres, o que comprometerá a sua descida e inevitavelmente a sua sobrevivência [grifonosso]. Estudos sobre descida de ovos e larvas e sua relação com a correnteza devem ser feitos com mais detalhes e por um longo período e seu início deve ocorrer na maior brevidade de tempo possível, para que se tenha uma série histórica suficiente para que se possa elaborar modelos preditivos confiáveis.” (Ronaldo Barthem9 e Michael Goulding10)
19. Peixes Dourada e Babão são Ameaçados de Extinção
“Dourada e babão sobem estas cachoeiras anualmente e se reproduzem na cabeceira do rio Madeira, no sopé dos Andes. Portanto, pelo menos as populações de Dourada e Babão estão ameaçadas por este empreendimento. Com a intensificação da pesca (em Bolívia e Peru) dos reprodutores, a manutenção da população reprodutora vai depender mais da maturação dos indivíduos que migram pelas cachoeiras e menos de desovas sucessivas dos indivíduos mais velhos, que estão mais expostos às pescarias nas encostas. Com isso, o bloqueio completo da subida dos bagres migradores irá inevitavelmente com
ANEXO 8
160 FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo
prometer a reposição dos reprodutores e a tendência destas populações acima da cachoeira seria a de se extinguirem em curto espaço de tempo. A viabilidade dessas populações dependeria da sobrevivência dos indivíduos jovens que são coletados esparsamente acima da cachoeira. De qualquer modo, sua biomassa entraria em colapso e sua importância para a pesca seria nula. Por outro lado, o bloqueio temporário, durante o período de construção, pode ter conseqüências incertas para essas populações mesmo com a construção posterior do mecanismo de transposição. (Ronaldo Barthem9 e Michael Goulding10)
“A ocorrência de um comportamento de homing (retorno à área onde nasceu) tornaria estas espécies bastante vulneráveis ao barramento, pois o bloqueio do rio eliminaria uma população distinta, mesmo se este bloqueio fosse temporário. Durante o período de bloqueio não haveria a eposição de indivíduos para as áreas de desova acima da cachoeira e os reprodutores nas cabeceiras do Madeira diminuiriam em número com o tempo, sendo que o desaparecimento completo dependeria da intensidade da pesca nas encostas e do tempo do bloqueio. Sem os ovos produzidos nesta área não haveria a migração de retorno e esta população estaria extinta. Estudos de marcação são necessários para complementar este projeto.” (Ronaldo Barthem9 e Michael Goulding10)
20. Faltam Estudos Adequados sobre Impacto na Pesca no Baixo Madeira
“Não se tem a idéia quantitativa da participação dos indivíduos (de outras espécies migratórias) que sobem as cachoeiras nos eventos reprodutivos nesta região. Apesar de haver extensas áreas para criação de peixes acima das cachoeiras, especialmente em território boliviano, não se sabe o quanto do repovoamento das várzeas do rio Madeira, em especial na região logo abaixo de Porto Velho, depende da desova dos indivíduos que sobem as cachoeiras. Estudos da migração no rio Madeira acima das cachoeiras, com eventual quantificação das áreas de criação e reprodução, são essenciais para predizer impactos na pesca comercial no baixo rio Madeira.” (Ronaldo
Barthem9 e Michael Goulding10)
21. Omissão de Impactos Expressivos na Pesca no Estuário do Rio Amazonas
“Dois aspectos devem ser levados em consideração, a grandeza do rio Madeira e o efeito imediato da redução de recrutas para a pesca do estuário e dos rios da planície
amazônica. Se a produção de ovos/larvas for proporcional à vazão do rio ou descarga de
sedimentos, o rio Madeira teria uma importância quase igualitária com o Amazonas e uma interrupção da descida desses jovens poderia agravar dramaticamente o efeito da sobrepesca de crescimento desses estoques no estuário. A pesca no estuário tem uma importância social e econômica muito grande, sendo um dos poucos lugares em que se mantém uma exportação regular de pescados amazônicos. A combinação de sobrepesca e a cons-trução de barragens na Amazônia já foi investigada anteriormente, com o efeito nefasto da pesca no rio Tocantins e da hidrelétrica de Tucuruí sobre os estoques de mapará. Para avaliar a dimensão deste problema são necessários estudos para estimar a densidade de jovens de dourada e babão (não mais ovos e larvas) no rio Madeira em relação ao rio Amazonas. Estes estudos devem ser feitos na desembocadura do rio Madeira com o Amazonas para comparar a densidade destes jovens antes da confluência dos rios.” (Ronaldo Barthem9 e Michael Goulding10)
MERCÚRIO
22. Desconhecimento das Dinâmicas e Metodologia de Análise do Mercúrio
“Os autores do EIA não apresentaram dados para mercúrio em água, um parâmetro
chave na avaliação dos impactos de represamento. Coletaram amostras para este fim,
mas não conseguiram detectar mercúrio com o método usado, cujo limite de detecção foi citado em 30 ng/l. Culparam o método de preservação, mostrando assim um completo desconhecimento tanto da dinâmica natural de mercúrio, quanto da metodologia adequada para analisá-lo. É essencial medir os níveis de Hg-total, MeHg e %MeHg no canal do Rio Madeira, nos tributários e nas áreas alagáveis associadas antes da obra para identificar atuais fontes de mercúrio e sítios de metilação e também para possibilitar a avaliação de mudanças nestes parâmetros após alagamento.” (Bruce Forsberg8)
23. Omissão na Estimativa dos Impactos do Mercúrio sobre Ribeirinhos
“Os relativamente altos níveis de mercúrio encontrados nos cabelos de ribeirinhos vivendo na área de influência são preocupantes. A população já corre um risco que pode se agravar ainda mais após a realização das obras. Porém, medir os níveis de mercúrio em peixes e cabelos e compará-los com padrões nacionais e internacionais não foi suficiente para avaliar os potenciais impactos da obra sobre estas populações. Para fazer isto, seria necessário determinar a concentração de mercúrio nas espécies de peixe mais consumidas e também estimar a quantidade média de cada espécie consumida por dia, o que não foi feito.” (Bruce Forsberg8)
24. Omitiu-se Estudar a Descida do Mercúrio dos Garimpos do Madre de Dios
“O mercúrio proveniente de dos Garimpos no Rio Madre de Dios não foi observado;
podem haver “hot spots” de mercúrio fora da área estudada no EIA, que podem estar
ANEXO 8
162 FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo
sendo transportados para a área dos aproveitamentos de Santo Antonio e Jirau. De qualquer forma, as ocorrências de atividade garimpeira nos rios Madre de Dios e Madeira já denotam a natureza do material do leito possivelmente arenoso, o que não foi confirmado pelas amostragens. O mesmo ocorre no Rio Beni…” (José Galizia Tundisi8)
ECOLOGIA E BIODIVERSIDADE
25. Fauna: Coleta Insuficiente e Impactos Não Avaliados
“O esforço de coleta utilizado foi insuficiente, como ressaltado pelos próprios autores, para avaliar a real diversidade taxonômica da mastofauna local. ...A inexistência de informações impede que análises comparativas entre a área estudada e outras em outras porções da Amazônia sejam feitas. Os trabalhos de avaliação de impacto ambiental... limitam-se a listar espécies presentes, avaliar sua abundância e a comparar a lista das espécies encontradas com aquelas consideradas como ameaçadas de extinção. É um lamentável paradoxo, portanto, que o estudo de impactos ambientais apresentado seja de restrita capacidade para desempenhar sua principal função: a de
avaliar os impactos ambientais que serão decorrentes da construção das hidrelétricas.
“ (Horácio Schneider11)
26. Região é de Prioridade Altíssima e Requer Outra Análise de Biodiversidade.
“A área dos arredores de Porto Velho guarda inestimável importância ambiental.
Aqui, nos ateremos a, sucintamente, discorrer sobre o conhecimento atual que nos
permite afirmar o extremo valor da região afetada. Em primeiro lugar, a área situa-se
sobre a junção de diferentes eco-regiões do Ecossistema Amazônico. Um deles, os
Ecótonos Cerrado-Amazônia são uma das eco-regiões mais ricas e também mais ameaçadas da região e caracterizam-se por grande heterogeneidade na composição biológica e por serem cobertos por mosaicos de diferentes tipos de vegetação que
conjugam espécies presentes nos dois ecossistemas, além de um considerável número
de endêmicos. A própria condição de Ecótono já faz da região, a priori, uma
prioridade ambiental. (Horácio Schneider11)
“O rio Madeira é uma barreira biogeográfica reconhecida desde o século XIX e é o limite que define pelo menos duas áreas de endemismo… Para que uma visão mais clara da diversidade da área possa ser possível em curto prazo, esses estudos NÃO PODEM deixar de estar conciliados com estudos genéticos populacionais. Já existem muitas seqüências de DNA publicadas para mamíferos de varias partes da Amazônia.
11 Horácio Schneider é biólogo pela Universidade Federal do Pará e fez pós-doutorado em Genética Molecular e de Microorganismos na Stanford University (EUA).
ANEXO 8
FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo 163
Uma comparação entre essas seqüências e as da área em questão será imprescindível para que uma avaliação mais clara dos impactos possa ser feita.” (Horácio Schneider11) “A informação disponível sobre a gama de espécies presentes nos umirizais, em comparação com outros tipos de campinaranas que tem algum tipo de proteção, é insuficiente para afirmar que os umirizais são representados adequadamente em outro lugar em áreas protegidas”. (umirizais são um tipo de campinarana rara na Amazônia). (Philip Fearnside2)
27. Falta Analisar Impactos nos Lagos da Várzea a Jusante
“A área de impacto direto deve incluir os lagos da várzea ao jusante que estarão afetados pela perda do pulso da água, afetando milhares de pessoas. “Como o período do fluxo no sentido aos lagos (a jusante) acontece quando o rio Madeira está baixo…é então provável que o pulso de fluxo seja capturado para encher os reservatórios em vez de ser passado como um pulso da mesma intensidade para o baixo Madeira” com o impacto da diminuição dos sedimentos nos lagos, como o Lago de Cuniã. Isso deveria afetar a principal fonte de pirarucu para Porto Velho. “Nem a Reserva Extrativista Cuniã nem qualquer outra unidade de conservação a jusante das represas foi considerada no EIA/RIMA. Precisa de estudos para estimar as mudanças sobre o suprimento de sedimentos e nutrientes aos lagos de várzea.” (Philip Fearnside2)
ENERGIA
28. Sub-dimensionamento Expressivo dos Custos das Obras e da Energia
“Os custos de instalação constantes nos documentos são sub-dimensionados e por isso os valores da energia são extremamente, quase três vezes, inferiores aqueles calculados por instituições independentes.” (Artur de Souza Moret5)
“Os custos das obras são sub-dimensionados e por isso quando calculados em valores mais realistas a diferença chega a R$ 6 bilhões.” (Artur de Souza Moret5)
“Os 20-30 anos quando a quantidade de sedimento grosso que atravessa as turbinas
será reduzida pela quantidade que estará sendo depositado atrás das paredes de retenção
serão um período de manutenção relativamente fácil dos rotores das turbinas. Depois
que os sedimentos estabilizem, no ano 30, e partículas de todas as dimensões serão passadas pelas turbinas, o efeito de abrasão será maior. Uma taxa de desconto aplicada aos futuros custos de manutenção indubitavelmente faz com que este fator tenha pouco peso no cálculo financeiro usado para justificar a construção das barragens, mas este aumento na necessidade de manutenção representa um custo que terá que ser sustentado por usuários futuros da energia…” (Philip Fearnside2)
ANEXO 8
164 FOBOMADE - Foro Boliviano sobre Medio Ambiente y Desarrollo
SAUDE
29. Falta Estudar a Necessidade de Vigilância Sanitária
“O EIA-RIMA não faz qualquer comentário sobre a Vigilância Sanitária. É preciso considerar o interesse de fortalecer a Vigilância Sanitária antes que a cidade receba o grande número de imigrantes previsto no EIA-RIMA.” (Silas Antônio Rosa12)
30. Faltam Análise e Soluções
para o Aumento dos Problemas de Saneamento “A falta de saneamento é um problema crônico de Porto Velho. Com o Empreendimento das Hidrelétricas do Rio Madeira este problema se agravará tanto que deixará de ser uma mudança meramente quantitativa e adquirirá foro de mudança qualitativa: será um novo problema decorrente do Empreendimento. A forma adequada e racional de encará-lo é, mais uma vez, a prevenção. Devem ser colocados entre os itens a serem ressarcidos socialmente, a participação do Empreendedor na solução dos dois entraves que o município encontra para resolver o problema: o pagamento do passivo com a CAERD e a elaboração do projeto, seguido do financiamento de sua aplicação.” (Silas Antônio Rosa12)
12. Silas Antônio Rosa é graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo, tem MBA em Gestão de Cooperativas pela Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), e é mestre em Biologia Experimental pela Universidade Federal de Rondônia. Atualmente é Secretário de Saúde de Porto Velho (RO).
ANEXO 8

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

VÁRIOS POSTS SOBRE A REVOLUÇÃO FRANCESA - HISTORY CHANNEL

REVOLUÇÃO FRANCESA - TRAILER


Revolução Francesa - Parte 01 de 14


Revolução Francesa - Parte 02 de 14


Revolução Francesa - Parte 03 de 14


Revolução Francesa - Parte 04 de 14


Revolução Francesa - Parte 05 de 14


Revolução Francesa - Parte 06 de 14


Revolução Francesa - Parte 07 de 14


Revolução Francesa - Parte 08 de 14


Revolução Francesa - Parte 09 de 14


Revolução Francesa - Parte 10 de 14


Revolução Francesa - Parte 11 de 14


Revolução Francesa - Parte 12 de 14


Revolução Francesa - Parte 13 de 14


Revolução Francesa - Parte 14 de 14

HISTÓRIA - Prof Carlão - Programa do Jô, 02/Set/08 - EM 3 PARTES

Professor Carlão - Programa do Jô, 02 de Setembro de 2008 - parte 1


Professor Carlão - Programa do Jô, 02 de Setembro de 2008 - parte 2


Professor Carlão - Programa do Jô, 02 de Setembro de 2008 - parte 3



Aula do Prof. Carlão. Guerra das Toninhas

HISTÓRIA GERAL - REVOLUÇÃO FRANCESA


Revolução Francesa

Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana (1776). Está entre as maiores revoluções da história da humanidade.
A Revolução é considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" (Liberté, Egalité, Fraternité), frase de autoria de Jean-Jacques Rousseau. Para a França, abriu-se em 1789 o longo período de convulsões políticas do século XIX, fazendo-a passar por várias repúblicas, uma ditadura, uma monarquia constitucional e dois impérios.

Por que uma Revolução?

A França do Antigo Regime era um grande edifício construído por cinqüenta gerações, por mais de quinhentos anos. As suas fundações mais antigas e mais profundas eram obras da Igreja, estabelecidas durante mil e duzentos anos.
A sociedade francesa do século XVIII mantinha a divisão em três Ordens ou Estamentos típica do Antigo Regime – Clero ou Primeiro Estado, Nobreza ou Segundo Estado, e Povo ou Terceiro Estado – cada qual regendo-se por leis próprias (privilégios), com um Rei absoluto (ou seja, um Rei que detinha um poder supremo independente) no topo da hierarquia dos Estados. O Rei fora antes de tudo o obreiro da unidade nacional através do seu poder independente das Ordens, significando que era ele quem tinha a última palavra sobre a justiça, a economia, a diplomacia, a paz e a guerra, e quem se lhe opusesse teria como destino a prisão da Bastilha. A França sofrera uma evolução assinalável nos últimos anos: não havia censura, a tortura fora proibida em 1788, e a representação do Terceiro Estado nos Estados Gerais acabava de ser duplicada para contrariar a Nobreza e o Clero que não queriam uma reforma dos impostos. Em 14 de Julho de 1789, quando a Bastilha foi tomada pelos revolucionários, albergava sete prisioneiros.
Com a exceção da nobreza rural, a riqueza das restantes classes sociais na França tinha crescido imensamente nas últimas décadas. O crescimento da indústria era notável. No Norte e no Centro, havia uma metalurgia moderna (Le Cresot data de 1781); em Lyon havia sedas; em Rouen e em Mulhouse havia algodão; na Lorraine havia o ferro e o sal; havia lanifícios em Castres, Sedan, Abbeville e Elbeuf; em Marselha havia sabão; em Paris havia mobiliário, tanoaria e as indústrias de luxo, etc..
Existia uma Bolsa de Valores, vários bancos, e uma Caixa de Desconto com um capital de cem milhões que emitia notas. Segundo Jacques Necker, a França detinha, antes da Revolução, metade do numerário existente na Europa. Nobres e burgueses misturavam muitos capitais em investimentos. Antes da Revolução, o maior problema da indústria francesa era a falta de mão de obra.
Desde a morte do rei Luís XIV, o comércio com o exterior tinha mais do que quadruplicado. Em 1788, eram 1.061 milhões de livres, um valor que só se voltará a verificar depois de 1848. Os grandes portos, como Marselha, Bordéus, Nantes, floresciam como grandes centros cosmopolitas. O comércio interior seguia uma ascensão paralela.
Sabendo-se que existia uma burguesia tão enriquecida, muitos historiadores colocaram a hipótese de haver uma massa enorme de camponeses famintos. Na França, o imposto rural por excelência era a "taille", um imposto recolhido com base nos sinais exteriores de riqueza, por colectores escolhidos pelos próprios camponeses. A servidão dos campos, que ainda se mantinha em quase todos os países da Europa, persistia apenas em zonas recônditas da França, e sob forma muito mitigada, no Jura e no Bourbonnais. Em 1779, o Rei tinha apagado os últimos traços de servidão nos seus domínios, tendo sido imitado por muitos senhores.
Ao longo da História, a miséria tem provocado muitos motins, mas em regra não provoca revoluções. A situação da França, antes da Revolução, era a de um Estado pobre num país rico. [1]

A Revolução

A Revolução Francesa pode ser subdividida em quatro períodos: a Assembléia Constituinte, a Assembléia Legislativa, a Convenção e o Diretório.
O período da Assembleia Constituinte decorre de 9 de Julho de 1789 a 30 de Setembro de 1791. As primeiras ações dos revolucionários deram-se quando, em 17 de Junho, a reunião do Terceiro Estado se proclamou "Assembléia Nacional" e, pouco depois, "Assembléia Nacional Constituinte". Em 12 de Julho, começam os motins em Paris, culminando em 14 de Julho com a tomada da prisão da Bastilha, símbolo do poder real e depósito de armas. Sob proposta de dois aristocratas, o visconde de Noailles e do duque de Aiguillon, a Assembleia suprime todos os privilégios das comunidades e das pessoas, as imunidades provinciais e municipais, as banalidades, e os direitos feudais. Pouco depois, aprovava-se a solene "Declaração dos direitos do Homem e do Cidadão". O lema dos revolucionários era "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", mas logo em 14 de Junho de 1791, se aprovou a Lei de Le Chapelier que proibia os sindicatos de trabalhadores e as greves, com penas que podiam ir até à pena de morte. Em 19 de Abril de 1791, o Estado nacionaliza e passa a administrar todos os bens da Igreja Católica, sendo aprovada em Julho a Constituição Civil do Clero, por intermédio da qual os padres católicos passam a ser funcionários públicos.
O período da Assembléia Legislativa decorre de 1 de Outubro de 1791, quando se dá a primeira reunião da Assembléia Legislativa, até aos massacres de 2 a 7 de Setembro do ano seguinte. Sucedem-se os motins de Paris provocados pela fome; a França declara guerra à Áustria; dá-se o ataque ao Palácio das Tulherias; a família real é presa, e começam as revoltas monárquicas na Bretanha, Vendeia e Delfinado.
Entra o período da Convenção Nacional, de 20 de Setembro de 1792 até 26 de Outubro de 1795. A Convenção vem a ficar dominada pelos jacobinos (partido da pequena e média burguesia, liderado por Robespierre), criando-se o Comitê de Salvação Pública e o Comitê de Segurança Pública, iniciando-se o reino do Terror. A monarquia é abolida e muitos nobres abandonam o país, vindo a família de Luís XVI a ser guilhotinada em 1793.
Vai seguir-se o período do Diretório até 1799, também conhecido como o período da "Reação Termidoriana". Um golpe de Estado armado desencadeado pela alta burguesia financeira marca o fim de qualquer participação popular no movimento revolucionário. Foi um período autoritário assente no exército (então restabelecido após vitórias realizadas em campanhas externas). Elaborou-se uma nova Constituição, com o propósito de manter a alta burguesia (girondinos) livre de duas grandes ameaças: o jacobinismo e o ancien régime.
O golpe do 18 de Brumário em 9 de Novembro de 1799 põe fim a Diretório, iniciando-se a Era Napoleônica sob a forma do Consulado, a que se segue a Ditadura e o Império.
A Revolução Francesa semeou uma nova ideologia na Europa, conduziu a guerras, acabando por ser derrotada pela instalação do Império e, depois da derrota de Napoleão Bonaparte, pelo retorno a uma Monarquia na qual o rei Luís XVIII vai outorgar uma Carta Constitucional.

Causas da Revolução

As causas da revolução francesa são remotas e imediatas. Entre as do primeiro grupo, há de considerar que a França passava por um período de crise financeira. A participação francesa na Guerra da Independência dos Estados Unidos da América, a participação (e derrota) na Guerra dos Sete Anos, os elevados custos da Corte de Luís XVI, tinham deixado as finanças do país em mau estado.
Os votos eram atribuídos por ordem (1- clero, 2- nobreza, 3- Terceiro Estado) e não por cabeça. Havia grandes injustiças entre as antigas ordens e ficava sempre o Terceiro Estado prejudicado com a aprovação das leis.
Os chamados Privilegiados estavam isentos de impostos, e apenas uma ordem sustentava o país, deixando obviamente a balança comercial negativa ante os elevados custos das sucessivas guerras, altos encargos públicos e os supérfluos gastos da corte do rei Luís XVI.
O rei Luís XVI acaba por convidar o Conde Turgot para gerir os destinos do país como ministro e implementar profundas reformas sociais e econômicas.


SOCIAIS
A sociedade francesa da segunda metade do século XVIII possuía dois grupos muito privilegiados:
- o Clero ou Primeiro Estado, composto pelo Alto Clero, que representava 0,5% da população francesa, era identificado com a nobreza e negava reformas, e pelo Baixo Clero, identificado com o povo, e que as reclamava;
- a Nobreza, ou Segundo Estado, composta por uma camada palaciana ou cortesã, que sobrevivia à custa do Estado, por uma camada provincial, que se mantinha com as rendas dos feudos, e uma camada chamada Nobreza Togada, em que alguns juízes e altos funcionários burgueses adquiriram os seus títulos e cargos, transmissíveis aos herdeiros. Aproximava-se de 1,5% dos habitantes.
Esses dois grupos (ou Estados) oprimiam e exploravam o Terceiro Estado, constituído por burgueses, camponeses sem terra e os "sans-culottes", uma camada heterogênea composta por artesãos, aprendizes e proletários, que tinham este nome graças às calças simples que usavam, diferentes dos tecidos caros utilizados pelos nobres. Os impostos e contribuições para o Estado, o clero e a nobreza incidiam sobre o Terceiro Estado, uma vez que os dois últimos não só tinham isenção tributária como ainda usufruíam do tesouro real por meio de pensões e cargos públicos.
A França ainda tinha grandes características feudais: 80% de sua economia era agrícola. Quando uma grande escassez de alimentos ocorreu devido a uma onda de frio na região, a população foi obrigada a mudar-se para as cidades e lá, nas fábricas, era constantemente explorada e a cada ano tornava-se mais miserável. Vivia à base de pão preto e em casas de péssimas condições, sem saneamento básico e vulneráveis a muitas doenças.
A reavaliação das bases jurídicas do Antigo Regime foi montada à luz do pensamento Iluminista, representado por Voltaire, Diderot, Montesquieu, John Locke, Immanuel Kant etc. Eles forneceram pensamentos para criticar as estruturas políticas e sociais absolutistas e sugeriram a idéia de uma maneira de conduzir liberal burguesa.

Econômicas

Os historiadores sugerem o ano de 1789 como o início da Revolução Francesa. Mas esta, por uma das "ironias" da história, começou dois anos antes, com uma reação dos notáveis franceses - clérigos e nobres - contra o absolutismo, que se pretendia reformar e para isso buscava limitar seus privilégios. Luís XVI convocou a nobreza e o clero para contribuírem no pagamento de impostos, na altamente aristocrática Assembléia dos Notáveis (1787).
No meio do caos econômico e do descontentamento geral, Luís XVI da França não conseguiu promover reformas tributárias, impedido pela nobreza e pelo clero, que não "queriam dar os anéis para salvar os dedos". Não percebendo que seus privilégios dependiam do Absolutismo, os notáveis pediram ajuda à burguesia para lutar contra o poder real - era a Revolta da Aristocracia ou dos Notáveis (1787-1789). Eles iniciaram a revolta ao exigir a convocação dos Estados Gerais para votar o projeto de reformas.
Por sugestão do Ministro Jacques Necker, o rei Luís XVI convocou a Assembléia dos Estados Gerais, instituição que não era reunida desde 1614. Os Estados Gerais reuniram-se em maio de 1789 no Palácio de Versalhes, com o objetivo de acalmar uma revolução de que já falava a burguesia.
As causas econômicas também eram estruturais. As riquezas eram mal distribuídas; a crise produtiva manufatureira estava ligada ao sistema corporativo, que fixava quantidade e condições de produtividade. Isso descontentou a burguesia.
Outro fator econômico foi a crise agrícola, que ocorreu graças ao aumento populacional. Entre 1715 e 1789, a população francesa cresceu consideravelmente, entre 8 e 9 milhões de habitantes. Como a quantidade de alimentos produzida era insuficiente e as geadas abatiam a produção alimentícia, o fantasma da fome pairou sobre os franceses.

Política

Em Fevereiro de 1787, o ministro das finanças, Loménie de Brienne, submeteu a uma Assembleia de Notáveis, escolhidos de entre a nobreza, clero, burguesia e burocracia, um projeto que incluía o lançamento de um novo imposto sobre a propriedade da nobreza e do clero. Esta Assembleia não aprovou o novo imposto, pedindo que o rei Luís XVI convocasse os Estados-Gerais. Em 8 de Agosto, o rei concordou, convocando os Estados Gerais para Maio de 1789. Fazendo parte dos trabalhos preparatórios da reunião dos Estados Gerais, começaram a ser escritos os tradicionais cahiers de doléances, onde se registraram as queixas das três ordens.
O Parlamento de Paris proclama então que os Estados Gerais se deveriam reunir de acordo com as regras observadas na sua última reunião, em 1614. Aproveitando a lembrança, o Clube dos Trinta começa imediatamente a lançar panfletos defendendo o voto individual inorgânico - "um homem, um voto" - e a duplicação dos representantes do Terceiro Estado. Várias reuniões de Assembleias provinciais, como em Grenoble, já o haviam feito. Jacques Necker, de novo ministro das finanças, manifesta a sua concordância com a duplicação dos representantes do Terceiro Estado, deixando para as reuniões dos Estados a decisão quanto ao modo de votação – orgânico (pelas ordens) ou inorgânico (por cabeça). Serão eleitos 291 deputados para a reunião do Primeiro Estado (Clero), 270 para a do Segundo Estado (Nobreza), e 578 deputados para a reunião do Terceiro Estado (burguesia e pequenos proprietários). Entretanto, multiplicam-se os panfletos, surgindo nobres como o conde d'Antraigues, e clérigos como o bispo Sieyès, a defender que o Terceiro estado era todo o Estado. Escrevia o bispo Sieyès, em Janeiro de 1779: “O que é o terceiro estado? Tudo. O que é que tem sido até agora na ordem política? Nada. O que é que pede? Tornar-se alguma coisa”. A reunião dos Estados Gerais, como previsto, vai iniciar-se em Versalhes no dia 5 de Maio de 1789.

A Assembléia Constituinte

Os deputados dos três estados eram unânimes em um ponto: desejavam limitar o poder real, à semelhança do que se passava na vizinha Inglaterra e que igualmente tinha sido assegurado pelos norte-americanos nas suas constituições. No dia 5 de maio, o rei mandou abrir a sessão inaugural dos Estados Gerais e, em seu discurso, advertiu que não se deveria tratar de política, isto é, da limitação do poder real, mas apenas da reorganização financeira do reino e do sistema tributário.
O clero e a nobreza tentaram diversas manobras para conter o ímpeto reformista do Terceiro Estado, cujos representantes comparecem à Assembléia apresentando as reclamações do povo (materializadas nos "Cahiers de Doléances"). Os deputados da nobreza e do clero queriam que as eleições fossem por estado (clero, um voto; nobreza, um voto; povo, um voto), pois assim, já que clero e a nobreza comungavam os mesmos interesses, garantiriam seus privilégios.
O terceiro estado queria que a votação fosse individual, por deputado, porque, contando com votos do baixo clero e da nobreza liberal, conseguiria reformar o sistema tributário do reino. Ante a impossibilidade de conciliar tais interesses, Luís XVI tentou dissolver os Estados Gerais, impedindo a entrada dos deputados na sala das sessões. Os representantes do Terceiro Estado rebelaram-se e invadiram a sala do jogo da péla (espécie de tênis em quadra coberta), em 15 de junho de 1789, e transformaram-se na Assembléia Nacional, jurando só se separar após a votação de uma constituição para a França (Juramento da Sala do Jogo da Péla). Em 9 de julho de 1789, juntamente com muitos deputados do baixo clero, os Estados Gerais autoproclamaram-se Assembléia Nacional Constituinte.
Essa decisão levou o rei a tomar medidas mais drásticas, entre as quais a demissão do ministro Jacques Necker, conhecido por suas posições reformistas. Em razão disso, a população de Paris se mobilizou e tomou as ruas da cidade. Os ânimos mais exaltados conclamavam todos a tomar as armas.
O rei decidiu reagir fechando a Assembléia, mas foi impedido por uma sublevação popular em Paris, reproduzida a seguir em outras cidades e no campo.
O Conde de Artois (futuro Carlos X) e outros dirigentes reacionários, defrontados a tais ameaças, fugiram do país, transformando-se no grupo dos émigrés. A burguesia parisiense, temendo que a população da cidade aproveitasse a queda do antigo sistema de governo para recorrer à ação direta, apressou-se a estabelecer um governo provisório local, a Comuna. Este governo popular, em 13 de julho, organizou a Guarda Nacional, uma milícia burguesa para resistir tanto a um possível retorno do rei, quanto a uma eventual mais violenta da população civil, cujo comando coube ao deputado da Assembléia e herói da independência dos Estados Unidos, Marie Joseph Motier, o Marquês de La Fayette.
A bandeira dos Bourbons foi substituída por uma tricolor (azul, branca e vermelha), que passou a ser a bandeira nacional. E, em toda a França, foram constituídas unidades da milícia e governos provisórios.


Enquanto isso, os acontecimentos precipitaram-se e a agitação tomou conta das ruas: em 13 de julho constituíram-se as Milícias de Paris, organizações militares-populares. No dia 14 de julho, populares armados invadiram o Arsenal dos Inválidos, à procura de munições e, em seguida, invadiram a Bastilha, uma fortaleza que fora transformada em prisão política, mas que já não era a terrível prisão de outros tempos. Dentro da prisão, estavam apenas sete condenados: quatro por roubo, dois nobres por comportamento imoral, e um por assassínio. A intenção inicial dos rebeldes ao tomar a Bastilha era se apoderar da pólvora lá armazenada. Caiu assim um dos símbolos do Absolutismo. A Queda da Bastilha causou profunda emoção nas províncias e acelerou a queda dos intendentes. Organizaram-se novas municipalidades e guardas nacionais.
A partir de então, a revolução estendeu-se ao campo, com maior violência: os camponeses saquearam as propriedades feudais, invadiram e queimaram os castelos e cartórios, para destruir os títulos de propriedade das terras (fase do Grande Medo). Temendo o radicalismo, na noite de 4 de agosto, a Assembléia Nacional Constituinte aprovou a abolição dos direitos feudais, gradualmente e mediante amortização, além de as terras da Igreja haverem sido confiscadas. Daí por diante, a igualdade jurídica seria a regra.

A Elaboração de uma Constituição

A Assembléia Nacional Constituinte aprovou a legislação, pela qual era abolido o regime feudal e senhorial e suprimido o dízimo. Outras leis proibiram a venda de cargos públicos e a isenção tributária das camadas privilegiadas. E, para dar continuidade ao trabalho, decidiu pela elaboração de uma Constituição. Na introdução, que seria denominada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen), os delegados formularam os ideais da Revolução, sintetizados em três princípios: "Liberté, Egalité, Fraternité" (Liberdade, Igualdade, Fraternidade). Inspirada na Declaração de Independência dos Estados Unidos e divulgada em 26 de agosto, a primeira Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (a que não terá sido estranha a ação do então embaixador dos EUA em Paris, Thomas Jefferson) foi síntese do pensamento iluminista liberal e burguês. Nesse documento, em que se pode ver claramente a influência da Revolução Americana, defendia-se o direito de todos à liberdade, à propriedade, à igualdade - igualdade jurídica, e não social nem econômica - e de resistência à opressão. A desigualdade social e de riqueza continuavam existindo.
O nascimento, a tradição e o sangue já não podiam continuar a ser os únicos critérios utilizados para distinguir socialmente os homens. Na prática, tais critérios foram substituídos pelo dinheiro e pela propriedade, que, a partir daí, passam a garantir a seus detentores prestígio social.
Pressionado pela opinião pública, Luís XVI deixou Versalhes, estabelecendo-se no Palácio das Tulherias, em Paris (outubro de 1789). Ali, o monarca era mais acessível às massas parisienses.
Fervilhavam os clubes: a imprensa tinha papel cada vez maior nos acontecimentos políticos. Jean-Paul Marat e Hébert escreviam artigos incendiários.
A nobreza conservadora e o alto clero abandonaram a França, refugiando-se nos países ainda absolutistas, de onde conspiravam contra a revolução. Numa reação contra os privilégios do clero e buscando recursos para sanar o déficit público, o governo desapropriou os bens da Igreja, colocou-os à venda e, com o produto, emitiu bônus do tesouro, os assignats, que valeram como papel-moeda, logo depreciado. As propriedades da Igreja passaram majoritariamente às mãos da burguesia, restando aos camponeses as propriedades menores, que puderam ser adquiridas mediante facilitações.
Em agosto de 1790, foi votada a Constituição Civil do Clero, separando Igreja e Estado e transformando os clérigos em assalariados do governo, a quem deviam obediência. Determinava também que os bispos e padres de paróquia seriam eleitos por todos os eleitores, independentemente de filiação religiosa. O papa opôs-se a isso. Os clérigos deveriam jurar a nova Constituição. Os que o fizeram ficaram conhecidos como juramentados; os que se recusaram passaram a ser chamados de refratários e engrossaram o campo da contra-revolução.
Procurando frear o movimento popular, a Assembleia Nacional Constituinte, pela Lei de Le Chapelier, proibiu associações e coalizões profissionais (sindicatos), sob pena de morte.



No palácio real, conspirava-se abertamente. O rei, a rainha, seus conselheiros, os embaixadores da Áustria e da Prússia eram os principais nomes de tal conspiração. A Áustria e a Prússia, países absolutistas, invadiram a França, que foi derrotada porque oficiais ligados à nobreza permitiram o malogro do exército francês. Denunciou-se a traição na Assembléia. Em junho de 1791 a família real tentou fugir para a Áustria. O rei foi descoberto na fronteira, em Varennes, e obrigado a voltar. A assembléia Nacional, contudo, acabou por absolver Luís XVI, mantendo a monarquia. Para justificar essa decisão, alegou que o rei, ao invés de fugir, fora seqüestrado. A Guarda Nacional, comandada por La Fayette, reprimiu violentamente a multidão que queria a deposição do rei.

A Constituição de 1791

Em setembro de 1791, foi promulgada a primeira Constituição da França que resumia as realizações da Revolução.
Foi implantada uma monarquia constitucional, isto é, o rei perdeu seus poderes absolutos e criou-se uma efetiva separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Além disso, foram concedidos direitos civis completos aos cidadãos.
A população foi dividida em cidadãos ativos e passivos. Somente os cidadãos ativos, que pagavam impostos e possuíam dinheiro ou propriedades, participavam da vida política. Era o voto censitário. Os passivos eram os não-votantes, como mulheres, trabalhadores desempregados e outros.
Apesar de ter limitado os poderes do rei, este tinha ainda o direito de designar seus ministros.
De mais, a constituição aboliu o feudalismo, nacionalizava os bens eclesiásticos e reconhecia a igualdade civil e jurídica entre os cidadãos.
Em síntese, a Constituição de 1791 estabeleceu na França as linhas gerais para o surgimento de uma sociedade burguesa e capitalista em lugar da anterior, feudal e aristocrática.
Apesar disso, este projeto não teve muita sustentação. Alguns setores urbanos queriam continuar com o processo revolucionário, enquanto nobres fugiam e se refugiavam no exterior, planejando à distância organizar violentamente uma revanche armada. Os emigrados tinham apoio de Estados Absolutistas como Áustria e Prússia, que viam o resultado do movimento revolucionário francês como perigoso para os seus domínios.
Em agosto de 1791, após a tentativa frustrada de fuga da família real para a Áustria, os países que até então apoiavam a França lançaram a Declaração de Pillnitz, que afirmava (e apoiava) a restauração da monarquia francesa como um projeto de interesse comum a todos os Estados europeus. A população francesa ficou enfurecida, pois enxergava esta ação como uma intromissão direta aos assuntos do país.

A Assembléia Legislativa (1791-1792)

Em 1791, iniciou-se a fase denominada Monarquia Constitucional. Nas eleições de outubro de 1791, as cadeiras da Assembléia Legislativa foram ocupadas predominantemente por elementos da burguesia. A Assembléia Legislativa, que iniciou suas sessões em 1º de outubro, era formada por 750 membros, sem experiência política.
Embora a burguesia tivesse de enfrentar, dentro da Assembléia, a oposição da aristocracia, cujos deputados ocupavam o lado direito de quem entrava no recinto de reuniões, e também dos democratas, que ocupavam o lado esquerdo, as maiores dificuldades estavam fora da Assembléia.
À extrema direita, o rei e a aristocracia se recusavam a aceitar qualquer compromisso. À extrema esquerda, a pequena e média burguesia sentiam-se lesadas e enganadas.
Os camponeses, desesperados, porque tinham de pagar pela extinção dos direitos feudais, retomaram a violência.
O confisco dos bens da Igreja e a Constituição do Clero, que faziam com que os religiosos rompessem com o papado, levaram a maior parte do clero para o campo da Contra-Revolução.
Apesar de todas as dificuldades, a alta burguesia se mantinha no poder.

A Queda da Monarquia

Os emigrados buscavam apoio externo para restaurar o Estado absoluto. As vizinhas potências absolutistas apoiavam esses movimentos, pois temiam a irradiação das idéias revolucionárias francesas para seus países. Os emigrados e as monarquias absolutistas formaram uma aliança destinada a restaurar, na França, os poderes absolutos de Luís XVI. Alegando a necessidade de se restaurar a dignidade real da França, na Declaração de Pillnitz (1791) esses países ameaçaram a França de uma intervenção.
Em 1792, a Assembléia Legislativa aprovou uma declaração de guerra contra a Áustria. É interessante salientar que a burguesia e a aristocracia queriam a guerra por motivos diferentes. Enquanto para a burguesia a guerra seria breve e vitoriosa, para o rei e a aristocracia seria a esperança de retorno ao velho regime. Palavras de Luís XVI: "Em lugar de uma guerra civil, esta será uma guerra política" e da rainha Maria Antonieta: "Os imbecis [referia-se a burguesia]! Não vêem que nos servem". Portanto, o rei e a aristocracia não vacilaram em trair a França revolucionária.
Diante da aproximação dos exércitos coligados estrangeiros, formaram-se por toda a França batalhões de voluntários.
Luís XVI e Maria Antonieta foram presos, acusados de traição ao país por colaborarem com os invasores.
Verdun, última defesa de Paris, foi sitiada pelos prussianos. O povo, chamado a defender a revolução, saiu às ruas e massacrou muitos partidários do Antigo Regime. Sob o comando de Danton, Robespierre e Marat, foram distribuídas armas ao povo e foi organizada a Comuna Insurrecional de Paris. As palavras de Danton ressoaram de forma marcante nos corações dos revolucionários. Disse ele: "Para vencer os inimigos, necessitamos de audácia, cada vez mais audácia, e então a França estará salva".
O povo, entre o pânico e o rancor, responsabiliza os inimigos internos pela situação. Entre 2 e 6 de Setembro de 1792, são massacrados os padres refratários, os suspeitos de atividades contra-revolucionárias e os presos de delito comum das prisões de Paris. A matança dura vários dias sem que as autoridades administrativas ousem intervir. Os chamados “massacres de Setembro”, que chocam a opinião pública, marcam uma página importante da Revolução.
Em 20 de Setembro aconteceu aquilo que parecia impossível: as tropas revolucionárias, famintas, mal vestidas, mas alimentadas por seus ideais, derrotaram, ao som da Marselhesa (o hino da revolução), a coligação antifrancesa na Batalha de Valmy.

A Convenção (1792-1794)

Após o término das deliberações da Assembléia Constituinte em 1791, a burguesia passou a uma posição conservadora, por entender que as principais mudanças já haviam sido implementadas na sociedade francesa. A situação do povo mais pobre, porém, pouco tinha mudado. Os camponeses continuavam sem terra e nas cidades a situação tornava-se cada vez mais desesperadora.
Em agosto de 1792, uma intensa mobilização popular destronou o rei, e a Assembléia Legislativa foi dissolvida. Criou-se uma nova Assembléia Nacional Constituinte (a Convenção Nacional), e a revolução entrou numa fase radical. As primeiras medidas tomadas pela Convenção foram a Proclamação da República e a promulgação de uma nova Constituição (21 de setembro de 1792). Eleita sem a divisão dos eleitores em passivos e ativos, a alta burguesia monarquista foi derrotada. A Convenção contava com o predomínio dos representantes da burguesia.
Entre os revolucionários de 1789, houve divisão. A grande burguesia não queria aprofundar a revolução, temendo o radicalismo popular. Aliada aos setores da nobreza liberal e do baixo clero, formou o Clube dos Girondinos. O nome "girondino" (do francês girondin) deve-se ao fato de Brissot, principal líder dessa facção, representar o departamento da Gironda e de seus principais líderes serem provenientes de lá. Eles ocupavam os bancos inferiores no salão das sessões. Os jacobinos (do francês jacobin) — assim chamados porque se reuniam no convento de Saint Jacques — queriam aprofundar a revolução, aumentando os direitos do povo; eram liderados pela pequena burguesia e apoiados pelos sans-culottes, as massas populares de Paris. Ocupavam os assentos superiores no salão das sessões, recebendo o nome de montanha. Seus principais líderes foram Danton, Marat e Robespierre. Sua facção mais radical era representada pelos raivosos, liderados por Jacques Hébert, que queriam o povo no poder. Havia ainda um grupo de deputados sem opiniões muito firmes, que votavam na proposta que tinha mais chances de vencer. Eram chamados de planície ou pântano. Havia ainda os cordeliers (camadas mais baixas) e os feuillants (a burguesia financeira).
As modernas designações políticas de direita, centro e esquerda surgem neste momento: com relação à mesa da presidência identificavam-se à direita os girondinos, que desejavam consolidar as conquistas burguesas, estancar a revolução e evitar a radicalização; ao centro, a Planície ou Pântano, grupo de burgueses sem posição política definida; e à esquerda, a Montanha, composta pela pequena burguesia jacobina que liderava os sans-culottes, e que defendia o aprofundamento da revolução.
Dirigida inicialmente pelos girondinos, a convenção realizava uma política contraditória: era revolucionária na política externa — ao combater os países absolutistas — mas conservadora na interna — ao procurar se acomodar com a nobreza, tentar salvar a vida do rei e combater os revolucionários mais radicais. Nesse primeiro período, foram descobertos documentos secretos de Luís XVI, no Palácio das Tulherias, que provaram o seu comprometimento com o rei da Áustria. O fato acelerou as pressões para que o rei fosse julgado como traidor. Na Convenção, a Gironda dividiu-se: alguns optaram por um indulto, outros pela pena de morte. Os jacobinos, reforçados pelas manifestações populares, exigiam a execução do rei, indicando o fim da supremacia girondina na Revolução.

República Jacobina

Os jacobinos, com apoio dos sans-culottes e da Comuna de Paris (designação que foi dada ao novo governo local da cidade), assumiram o poder no momento crítico da Revolução.
A Convenção reconheceu a existência do Ser Supremo e da imortalidade da alma. A virtude seria o elemento essencial da República.
Em 21 de janeiro de 1793, Luís XVI e Maria Antonieta , sua esposa foram executados na guilhotina na praça da Revolução. Vários países europeus, como a Áustria, Prússia, Holanda, Espanha e Inglaterra, indignados e temendo que o exemplo francês se refletisse em seus territórios, formaram a Primeira Coligação contra a França. Encabeçando a Coligação, a Inglaterra financiava os grandes exércitos continentais para conter a ascensão burguesa da França, seu potencial concorrente nos negócios europeus.
No departamento de Vendéia, no oeste da França, camponeses contra-revolucionários, instigados pela Igreja, pela nobreza e pelos ingleses, tomaram o poder. Os girondinos tentaram frear a proposta de mobilização geral do povo francês, temendo a perda do poder e a radicalização da revolução, que ameaçaria suas propriedades e bens. Em resposta, em 2 de Junho de 1793, a população de Paris, agitada pelos partidários de Hébert, cercou o prédio da convenção, pedindo a prisão dos deputados girondinos. Os membros da Gironda foram expulsos da convenção deixando uma triste herança: inflação, carestia e avanço da contra-revolução, tudo isso agravado pela guerra no plano externo. Marat, Hébert, Danton, Saint-Just e Robespierre assumiram o poder, dando início ao período da Convenção Montanhesa.
A Contra-Revolução Camponesa da Vendéia e a ameaça externa colocavam a revolução à beira do abismo. Para combater essa situação, os jacobinos organizaram os comitês, cujos objetivos eram controlar o governo, combater os contra-revolucionários e mobilizar a França para uma guerra total em defesa da revolução.
Devido ao predomínio da atuação popular, esse período caracterizou-se por ser o mais radical de toda a Revolução. O governo jacobino dirigia o país por meio do Comitê de Salvação Pública, responsável pela administração e defesa externa do país, de início comandado por Danton, seu criador. Abaixo, vinha o Comité de Segurança Pública, que cuidava da segurança interna, e a seguir o Tribunal Revolucionário, que julgava os opositores da revolução em julgamentos sumários.
Decretada a mobilização geral, criou-se uma economia de guerra, com o racionamento das mercadorias e o combate aos especuladores, que, aproveitando-se da situação, escondiam os produtos para aumentar os preços.
Os jornais populares utilizavam-se de linguagem grosseira para caracterizar os aristocratas e inimigos da revolução. Ao mesmo tempo em que pediam que fossem punidos, pregavam as virtudes revolucionárias, o patriotismo e a defesa intransigente da revolução. O mais importante desses jornais era O amigo do povo (L'Ami du Peuple), dirigido pelo jacobino Marat.

Quando, em julho, Marat foi assassinado pela jovem Charlotte Corday, os ânimos se exaltaram. Considerado excessivamente moderado, Danton foi substituído por Robespierre e expulso do partido. O Comitê de Salvação Pública, liderado por Robespierre, assumiu plenos poderes. Tinha início o Grande Terror, Terror Jacobino ou, simplesmente, Terror. Milhares de pessoas — a ex-rainha Maria Antonieta, aristocratas, clérigos, girondinos, especuladores, inimigos reais ou presumidos da revolução — foram detidas, julgadas sumariamente e guilhotinadas. Os direitos individuais foram suspensos e, diariamente, realizavam-se, sob aplausos populares, execuções públicas e em massa. O líder jacobino Robespierre, sancionando as execuções sumárias, anunciara que a França não necessitava de juízes, mas de mais guilhotinas. O resultado foi a condenação à morte de 35 mil a 40 mil pessoas. A Insurreição camponesa da Vendéia foi esmagada. O exército francês começou a ganhar terreno nos campos de batalha em 1794 e a coalizão antifrancesa foi derrotada.
Embora utilizassem o terror para combater a contra-revolução, os jacobinos não foram os sanguinários que muitos conservadores pintam. Eles cometeram muitos erros, provavelmente muitas injustiças em seus julgamentos sumários, mas defendiam a revolução, aprofundaram a democracia e realizaram muitas reformas sociais para obter o apoio das camadas populares. As principais realizações desse período foram:
* Abolição da escravidão nas colônias francesas, talvez o maior feito social dos jacobinos. Os girondinos, embora falassem em igualdade de todos perante a lei, haviam mantido os escravos nas colônias da França, pois muitos deles eram proprietários de engenhos escravistas nas colônias. Os jacobinos, por não terem interesses nesses engenhos, realizaram plenamente os ideais iluministas de dignidade humana e de igualdade de todos perante a lei, ao abolir a escravidão;
* Reforma Agrária: confisco das terras da nobreza emigrada e da Igreja, que foram divididas em lotes menores e vendidas a baixo preço aos camponeses pobres. Os pagamentos foram divididos em 10 anos;
* Lei do Máximo ou Lei do Preço Máximo, estabelecendo um teto máximo para preços e salários;
* Venda de bens públicos e dos emigrados para recompor as finanças públicas;
* Entrega de pensões anuais e assistência médica gratuita a crianças, velhos, enfermos, mães e viúvas;
* Auxílio aos indigentes, que participaram da distribuição dos bens dos condenados;
* Desenvolvimento de um culto revolucionário fundado na razão e na liberdade. A Catedral de Notre Dame (Paris), por exemplo, foi transformada no "templo da razão";
* Proclamação da Primeira República Francesa (setembro de 1792);
* Organização de um exército revolucionário e popular que liquidou com a ameaça externa;
* Organização dos seguintes comitês: o Comitê de Salvação Pública, formado por nove (mais tarde doze) membros e encarregado do poder executivo, e o Comité de Segurança Pública, encarregado de descobrir os suspeitos de traição;
* Criação do Tribunal Revolucionário, que julgava os opositores da Revolução;
* Elaboração da Constituição do Ano I (1793), que pregava uma ampla liberdade política e o sufrágio universal masculino. Essa Carta, inspirada nas idéias de Rousseau, era uma das mais democráticas da história;
* Elaboração de uma outra Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita por Robespierre, em que se afirmava que a finalidade da sociedade era o bem comum e que os governos só existem para garantir ao homem seus direitos naturais: a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade;
* Criação do ensino público gratuito;
* Fundação do Museu do Louvre, da Escola Politécnica e do Instituto da França;
* Instituição de um novo calendário, para romper com o passado e simbolizar o início de uma nova era na história da humanidade. Este calendário tinha características marcadamente anticlericais e passou a basear-se nos fenômenos da natureza. Cada mês recebeu uma denominação baseada nas características da natureza, e o primeiro dia dessa nova era — 22 de Setembro de 1792 — foi à data da proclamação da república. O primeiro mês chamava-se vindário (em referência a Víndima ou colheita de uvas), seguiam-se o brumário (relativo à bruma ou nevoeiro), o frimário (Mês das geadas ou frimas em francês), o nivoso (referente à neve), o pluvioso (chuvoso), o ventoso, o germinal (relativo à germinação das sementes), o floreal (mês das flores), o pradial (em referência a prados), o messiador (nome originário de messis, palavra latina que significa colheita), o termidor (referente ao calor) e o frutidor (relativo aos frutos). Como cada mês tinha trinta dias, sobravam cinco dias no final do ano (de 17 a 21 de Setembro): eram os dias dos sans-culottes, considerados feriados nacionais;
* Elaboração de um novo sistema de medidas. Graças a essa idéia, os cientistas franceses elaboraram o metro, bem como outras idéias que não tiveram a mesma aceitação: O minuto passou a ter 100 segundos, e a hora passou a ter 100 minutos, mas não se construíram relógios com esse sistema que funcionassem; o ângulo de 90 graus foi substituído como ângulo notável por um ângulo de 100 graus.[carece de fontes?]
Cansada do terror, execuções, congelamento de preços e dos excessos revolucionários, a burguesia queria paz para seus negócios. Essa posição era defendida pelos jacobinos liderados por Danton. Os sans-culottes — que eram a plebe urbana — pretendiam radicalizar mais a revolução, posição defendida pelos raivosos. A falta de habilidade política de Robespierre ficou evidente quando, declarando a "pátria em perigo", tomou uma série de medidas impopulares para evitar as radicalizações — os partidários e políticos mais radicais, como a ala esquerda, dos partidários de Hébert, e da ala direita, que tinha como líder Danton, foram executados. A facção de centro, liderada por Robespierre e Saint-Just, triunfou, porém ficou isolada.

Reação Termidoriana

Muitos girondinos que sobreviveram ao Terror, aliados aos deputados da planície, articularam um golpe. Em 27 de Julho (9 Termidor, de acordo com o calendário revolucionário francês) a Convenção, numa rápida manobra, derrubou Robespierre e seus partidários. Robespierre apelou para que as massas populares saíssem em sua defesa. Mas os que podiam mobilizá-las — como os raivosos — estavam mortos, e os sans-culottes não atenderam ao chamado. Robespierre e os dirigentes jacobinos foram guilhotinados sumariamente. A Comuna de Paris e o partido jacobino deixaram de existir. Era o golpe de 9 Termidor, que marcou a queda da pequena burguesia jacobina e a volta da grande burguesia girondina ao poder. O movimento popular entrou em franca decadência.
A Convenção Termidoriana (1794-1795) foi curta, mas permitiu a reativação do projeto político burguês com a anulação de várias decisões montanhesas, como a Lei do Preço Máximo (congelamento da economia) e o encerramento da supremacia da Junta de Salvação Pública. Foram extintas as prisões arbitrárias e os julgamentos sumários. Todos os clubes políticos foram dissolvidos e os jacobinos passaram a ser perseguidos.
Em 1795, a Convenção elaborou uma nova constituição - a Constituição do Ano III -, suprimindo o sufrágio universal e resgatando o voto censitário para as eleições legislativas, marginalizando, assim, grande parcela da população. A carta reservava o poder à burguesia. No final de 1795, de acordo com a nova Constituição, a Convenção cedeu lugar ao Diretório, formado por cinco membros eleitos pelos deputados. Iniciou-se, assim, a República do Diretório.

O Diretório (1795-1799)

O Diretório (1794 a 1799) foi uma fase conservadora, marcada pelo retorno da Alta Burguesia ao poder e pelo aumento do prestígio do Exército apoiado nas vitórias obtidas nas Campanhas externas.
Uma nova constituição entregou o Poder Executivo ao Diretório, uma comissão constituída de cinco diretores eleitos por cinco anos. Esta carta previa o direito de voto masculino aos alfabetizados. O poder legislativo era exercido por duas câmaras, o Conselho dos Anciãos e o Conselho dos Quinhentos.
Era a república dos proprietários que enfrentavam uma grave crise financeira. Registra-se uma oposição interna ao governo devido à crise econômica e à anulação das conquistas sociais jacobinas. Tentativas de golpe à direita (monarquistas ou realistas) e à esquerda (jacobinos) ocorreram neste período.
As ações contra o novo governo se sucediam. Em 1795, um golpe realista foi abortado em Paris. Aproveitando o descontentamento dos sans-culottes, os remanescentes jacobinos tentaram organizar em 1796 a chamada Conjuração ou Conspiração dos Iguais, liderada por François Noël Babeuf (mais conhecido como Graco Babeuf). Os seguidores desse movimento popular, com algumas pinceladas socialistas, desejavam não apenas igualdades de direitos (igualdade perante a lei), mas também igualdade nas condições de vida. Babeuf achava que a única maneira de alcançar a igualdade era com a abolição da propriedade privada. A insurreição foi denunciada antes mesmo de se iniciar e seus líderes, Graco Babeuf e Buonarroti, foram condenados à guilhotina. As idéias de Babeuf, entretanto, serviram de base para a luta da classe operária no século XIX.
Externamente, entretanto, o exército acumulava vitórias contra as forças absolutistas de Espanha, Holanda, Prússia e reinos da Itália, que, em 1799, formaram a Segunda Coligação contra a França revolucionária.

Napoleão Bonaparte no Poder

O governo não era respeitado pelas outras camadas sociais. Os burgueses mais lúcidos e influentes perceberam que com o Diretório não teriam condição de resistir aos inimigos externos e internos e manter o poder. Eles acreditavam na necessidade de uma ditadura militar, uma espada salvadora, para manter a ordem, a paz, o poder e os lucros.
A figura que sobressai no fim do período é a de Napoleão Bonaparte. Ele era o general francês mais popular e famoso da época. Quando estourou a revolução, era apenas um simples tenente e, como os oficiais oriundos da nobreza abandonaram o exército revolucionário ou dele foram demitidos, fez uma carreira rápida. Aos 24 anos já era general de brigada. Após um breve período de entusiasmo pelos jacobinos, chegando até mesmo a ser amigo dos familiares de Robespierre, afastou-se deles quando estavam sendo depostos. Lutou na Revolução contra os países absolutistas que invadiram a França e foi responsável pelo sufocamento do golpe de 1795.
Enviado ao Egito para tentar interferir nos negócios do império inglês, o exército de Napoleão foi cercado pela marinha britânica nesse país, então sobre tutela inglesa. Napoleão abandonou seus soldados e, com alguns generais fiéis, retornou à França, onde, com apoio de dois diretores e de toda a grande burguesia, suprimiu o Diretório e instaurou o Consulado, dando início ao período napoleônico em 18 de brumário (10 de Novembro de 1799).
O Consulado era representado por três elementos: Napoleão, o abade Sieyès e Roger Ducos. Na realidade o poder concentrou-se nas mãos de Napoleão, que ajudou a consolidar as conquistas burguesas da Revolução.

Datas e Fatos Essenciais
* 1787: Revolta dos Notáveis
* 1789: Revolta do Terceiro Estado; 14 de julho: Tomada da Bastilha; 26 de agosto: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
* 1790: Confisco dos bens do Clero.
* 1791: Constituição que estabeleceu a Monarquia Constitucional.
* 1791: Tentativa de fuga e prisão do rei Luís XVI.
* 1792: Invasão da França pela Áustria e Prússia.
* 1793: Oficialização da República e morte do Rei Luís XVI; 2ª Constituição.
* 1793: Terror contra os inimigos da revolução.
* 1794: Deposição de Robespierre.
* 1795: Regime do Diretório — 3ª Constituição.
* 1799: Golpe do 18 de brumário (9 de novembro) de Napoleão.

Reações e comentários no estrangeiro

Reino Unido

Entre os britânicos que acolheram (inicialmente) a Revolução Francesa como um acontecimento positivo conta-se Dugald Stewart. Stewart seguiu os acontecimentos em Paris nesse verão dramático de 1789. Ele acreditava nos princípios pelos quais a revolução se batia. Sentiu-se repelido quando leu os comentários de Edmund Burke no seu "Reflections on the Revolution in France". Burke previu acertadamente que a Revolução Francesa acabaria na perdição, terror, morte e ditadura. Um aluno de Stewart, James Mackintosh, escreveu em resposta uma apaixonada defesa da causa francesa. Nos anos seguintes, Stewart defendeu ainda a Revolução, apesar de o terror e o caos serem evidentes. Em Novembro de 1791, Dugald Stewart escreve a um amigo: "As pequenas desordens que podem ocorrer num país onde as coisas em geral correm tão bem são de menor importância".
Já no ano seguinte ver-se-ia que Burke tinha razão. Edmund Burke faleceu em 1797, convicto de que a Revolução Francesa acabaria por terminar na ditadura. Napoleão veio dar-lhe razão. Burke ganhou na sociedade britânica uma reputação de um homem clarividente e perspicaz.
Em forte contraste, Dugald Stewart perdeu o respeito dos seus concidadãos e foi ostracizado em Edimburgo, onde vivia. James Mackintosh pediu desculpas publicamente por criticar Burke e tornou-se um forte crítico do regime francês e das revoluções em geral.

Raymond Aron

O sociólogo do século XX Raymond Aron (1905 — 1983) escreve em O ópio dos intelectuais o seguinte a propósito da revolução francesa, comparando-a com a evolução da Inglaterra:
A passagem do Ancien Régime para a sociedade moderna é consumada na França com uma ruptura e uma brutalidade únicas. Do outro lado do Canal da Mancha, na Inglaterra, o regime constitucional foi instaurado progressivamente, as instituições representativas advêm do parlamento, cujas origens remontam aos costumes medievais. No século XVIII e XIX, a legitimidade democrática se substitui à legitimidade monárquica sem a eliminar totalmente, a igualdade dos cidadãos apagou pouco a pouco a distinção dos "Estados" (Nobreza, clero e povo). As idéias que a revolução francesa lança em tempestade através da Europa: soberania do povo, exercício da autoridade conforme a regras, assembléias eleitas e soberanas, supressão de diferenças de estatutos pessoais, foram realizadas em Inglaterra, por vezes mais cedo do que em França, sem que o povo, em sobressalto de Prometeu, sacudisse as suas correntes. A "democratização" foi ali (em Inglaterra) a obra de partidos rivais.
(...) O Ancien Régime desmoronou-se (na França) a um só golpe, quase sem defesa. E a França precisou de um século para encontrar outro regime que fosse aceito pela grande maioria da nação.

Referências
1. Pierre Gaxotte (da Academia Francesa), La Révolution Française, Paris, Librairie Arthème Fayard, 1957, pp. 31-54.
Ver também
* Encyclopédie
* Tabela cronológica da Revolução Francesa
* Barrete frígio
* Guerras Revolucionárias Francesas
* Napoleão I de França
* Filmes sobre a Revolução Francesa
o Danton
o Maria Antonieta