quinta-feira, 19 de março de 2009

Batalha das Termópilas - A Batalha dos 300

Batalha das Termópilas


A batalha das Termópilas, travada no contexto da II Guerra Médica, decorreu no Verão de 480 a.C., no desfiladeiro das Termópilas, na Grécia Central. Ali, de acordo com a tradição veiculada pelo historiador Heródoto de Halicarnasso, 300 espartanos sob o comando de seu rei Leónidas, acompanhados por não mais de 7 000 aliados de outras πόλεις (cidades-Estado) helénicas, enfrentaram centenas de milhares (historiadores não entram em acordo exato quanto ao número, que podia variar de uma ou duas centenas de milhares) de persas liderados por Xerxes, filho de Dario.(Diz-se que Leônidas, sabendo-se perdido, teria ordenado a retirada dos não-espartanos, e, com 300 compatriotas, teria combatido o colosso persa).


A grande disparidade numérica entre os contendores levou a que a batalha terminasse com uma aparentemente retumbante vitória persa, muito embora os Gregos, antes de serem totalmente aniquilados, tenham conseguido infligir um elevado número de baixas e retardar consideralvemente o avanço dos Persas pela Grécia. A intervenção dos Gregos, para além de levá-los a morrer como homens livres, e não como escravo persa, foi de tal modo decisiva para o futuro do conflito, que bem podem ser também considerados vencedores. De fato, não vence uma batalha apenas aquele que destrói o exército inimigo, mas sim aquele que cumpre seu objetivo – e os Espartanos, ao deterem durante dias (3 dias ao certo), não tanto quanto esperavam (10 dias era o desejado), os Persas nas Termópilas, permitiram a salvação de Atenas e, por conseguinte, da nascente Civilização Ocidental.


Índice


* 1 O contexto: as Guerras Médicas

* 2 A geografia

* 3 Os números

* 4 O embate

o 4.1 Começa a batalha...

o 4.2 A traição

o 4.3 A chacina

* 5 As consequências

* 6 Os motivos

* 7 Importância militar

* 8 Inspiração

* 9 Fontes

* 10 Obras que versam sobre as Termópilas

o 10.1 Livros

o 10.2 Filmes


O contexto: as Guerras Médicas


À entrada do século V a.C., a Pérsia Aqueménida tinha-se convertido no maior império que o mundo jamais vira, tanto em dimensão territorial, como étnica. Depois de subjugar os vizinhos Medos, os Persas partiram à conquista da Babilónia, da Assíria, da Arménia, do Elão, da Bactriana, da Síria-Palestina, do Egipto e da Ásia Menor, onde pela primeira vez se viriam a confrontar com as πόλεις gregas da Jónia. Devido a todas estas conquistas, o seu soberano podia-se arrogar, com propriedade, o título de Rei de Reis – em persa, Šāh-an-Šāh (literalmente, o Xá dos Xás), título que Heródoto verte para grego como βασιλεύς (basileus, «rei»).


O embate entre a Hélade (dividida em várias pequenas cidades-Estado independentes, separadas entre si por particularismos geográficos e culturais) e o poderoso império Persa (então governado por Dario) tornou-se inevitável. Em 499 a.C., rebenta a revolta de Mileto (na Jônia) contra os Persas, logo violentamente debelada; pouco depois, o imperador persa, sentindo-se numa posição de força, envia os seus embaixadores às cidades da Grécia continental, a fim de estas se submeterem pacificamente ao seu domínio. Porém, o envio destas missões diplomáticas não surtiu o efeito desejado – apenas a Macedônia e a Tessália se declararam vassalas da Pérsia (enviando-lhe, segundo Heródoto, amostras do seu solo e da sua água, em sinal de submissão), enquanto que, nas demais πόλεις, os legados imperiais foram executados.


Estala assim o conflito entre Persas e Helenos: a I Guerra Médica (também chamada I Guerra Pérsica ou Guerra Medo-Persa). Dario avança rumo à Grécia européia, desembarca em Maratona, onde é derrotado por uma força combinada de hoplitas atenienses e plateenses (Esparta, a potência militar da Grécia, recusou-se a estar presente, invocando motivos religiosos). Dario, derrotado, regressa à Ásia.


O conflito reacender-se-ia com o seu filho, Xerxes, que subira ao trono em 485 a.C.. A derrota pesava sobre o espírito do novo monarca, e respirava-se na Corte um clima de vingança (fomentado, por exemplo, por Mardónio, o supremo comandante dos exércitos). Desta feita, porém, Xerxes procurou preparar, até ao mais ínfimo detalhe, a expedição destinada a tomar a Grécia: começou por ordenar a construção de uma ponte de barcas ligando as duas margens do Estreito dos Dardanelos (484 a.C.), permitindo um mais fácil deslocamento das suas tropas e poupando dessa forma recursos preciosos e tempo (mais tarde, os Helenos – como, por exemplo, Ésquilo, na sua tragédia Persas – atribuirão a Posseidon, o Deus dos Mares, um papel relevante na sua vitória, pois o rei persa, ao tentar deter uma força da Natureza – manifestação do sagrado animada por aquela divindade –, despertou a ira do Olímpico, o qual decidiu então a sorte da guerra a favor do povo grego); ao mesmo tempo, determinou que uma poderosa esquadra atravessasse o Egeu e rumasse às costas gregas, assim que se iniciasse a invasão, por forma a apoiar as operações em terra.

As cidades-Estado gregas, conhecedoras dos preparativos da nova expedição persa, decidiram como reação, pôr de lado as suas divergências tradicionais, e reuniram-se na conferência pan-helénica no Istmo de Corinto (481 a.C.). Das cidades do continente, apenas Argos (a maior inimiga de Esparta à época), se recusou a estar presente, o que lhe valeu a acusação de medismo, isto é, de ser simpatizante dos Medos (o nome genérico que os Gregos atribuíam então aos Persas e aos povos por eles subjugados); de igual forma, as colônias gregas (como a Cirenaica, no Norte de África, Massália, no Sul da Gália, ou Siracusa, na Sicília) também não compareceram, talvez por não se sentirem diretamente ameaçadas pelos Persas, dada a sua situação geográfica.


As 31 πόλεις presentes na conferência formaram uma Liga destinada a defrontar o inimigo comum, tendo proclamado a reconciliação geral e declarado guerra à Pérsia. O comando dessa liga foi atribuído ao rei Leônidas, que governava o Estado militarista por excelência na Antiguidade grega – Esparta; com efeito, os cidadãos Espartanos eram soldados profissionais, sendo condicionados, desde o berço, para a vida militar, o que fez da cidade a potência dominante da Hélade até então.


Em finais desse ano de 481 a.C. tem finalmente início a projetada invasão da Grécia, tendo os Persas dominado a Macedônia rica em matérias-primas (como a madeira), a Calcídica com os seus excelentes portos de mar, e a fértil Tessália, na qual fixaram as suas bases, encaminhando-se de seguida, a passos largos, para o centro da Grécia, onde se virá a travar o recontro das Termópilas.


Acabava de se iniciar a II Guerra Médica, um novo conflito entre o Ocidente e o Oriente, entre Cidadãos (os habitantes das πόλεις gregas) e Bárbaros (o nome com que, depreciativamente, os Helenos se referiam ao Medo-Persas), entre Europeus e Asiáticos (pela primeira vez na História da Humanidade, há uma real consciência da distinção entre duas culturas, dois mundos distintos, separados por dois continentes) onde se viria a jogar o destino da Civilização Ocidental, tal como hoje a conhecemos. Porém, deve-se ter em conta que a própria construção narrativa de Heródoto retoma certos tópoi (lugares-comuns) literários que remontam, pelo menos, ao primeiro grande relato bélico que chegou até aos nossos dias – a Ilíada de Homero, ela também uma obra onde o Oeste (os Aqueus) e o Leste (os Troianos) chocam entre si.


A geografia


O desfiladeiro das Termópilas, tal como se apresentava por volta do ano 480 a.C. – uma estreita língua de terra entre o Golfo de Mália e os Montes Eta e Calídromo. Foi aí que se travou aquela que é, provavelmente, uma das mais conhecidas batalhas da Antiguidade Clássica. Surge também representada a linha costeira hodierna.


As Termópilas (do grego: Θερμοπύλαι, thermopylai, significando «portas quentes») são um desfiladeiro situado bem no centro da Hélade, encravado entre as cadeias montanhosas do Eta e do Calídromo e um braço de mar (o golfo de Mália), situando-se na fronteira entre as regiões da Fócida (a Sudoeste), da Ftiótida (a Noroeste), da Lócrida (a Nordeste) e da Beócia (a Sudeste). Devem o seu nome ao facto de no seu interior existirem fontes sulfurosas, sendo que o estreito – uma simples faixa de areia entre o mar e o desfiladeiro – era, em três dos seus troços (as famosas «portas», às quais o estreito foi buscar o seu nome), esse estreito tinha por volta de apenas 10 metros de largura.


Tratava-se de uma região relativamente estéril, apta somente para o pastoreio; por esse motivo e também pela sua intrincada orografia, bem conhecida dos Gregos, foi o local estrategicamente escolhido pelas forças da Liga para deter o ímpeto persa (por se situar relativamente longe das bases de apoio que estes tinham na Tessália, tal dificultaria – e eventualmente frustraria – a sua investida).


De fato, os Helenos compreenderam que apenas teriam possibilidade de deter o avanço persa numa região montanhosa (se tivessem decidido dar batalha aos Persas na vasta planície da Tessália, teriam sido derrotados muito mais facilmente, pois ver-se-iam de imediato rodeados pela vasta massa humana do inimigo e liquidados ante a desproporção dos números); de resto, foi questão muito discutida, entre os defensores da Grécia, saber qual a melhor localização para deter o avanço persa – se as Termópilas, se o Istmo de Corinto; porém, acabou por vingar a primeira posição, muito pela pressão que Atenas colocou: se as forças gregas se concentrassem em Corinto, Atenas ficaria desprotegida e sujeita ao embate direto com o inimigo.


Os números


A batalha das Termópilas tornou-se conhecida graças à narrativa de Heródoto de Halicarnasso, na qual o historiador faz opor quatro milhões e meio de homens (os números dos historiadores antigos são quase sempre entusiásticos, quando costumam exagerar quanto aos números de contendores envolvidos em batalha - geralmente, na intenção de enaltecer a um dos lados), arregimentados à força pelos Persas, contra Leónidas e os seus trezentos Espartanos, combatendo tão-só pela liberdade da sua Nação. Mas não havia apenas Espartanos nas Termópilas.


Heródoto enumera, do lado grego, trezentos Espartanos, quinhentos hoplitas de Tegeia e outros quinhentos de Mantineia, cento e vinte de Orcómeno, mil da Arcádia, quatrocentos de Corinto, duzentos de Pilos e oitenta de Micenas (prefazendo estes o contingente do Peloponeso, num total de 3 100 homens); setecentos de Téspias, setecentos de Tebas, mil homens da Fócia, e ainda um número desconhecido (mas elevado) de Lócridos Opuntianos. Portanto, no mínimo, cinco mil e quinhentos homens. É provável que a este número devamos acrescentar ainda os soldados auxiliares (muitas vezes não mencionados), o que levaria, segundo alguns estudiosos, a fazer aumentar este contingente para cerca de 7 500 homens (ou, no máximo, 10 mil). (Fonte: História Antiga de Armando Souto Maior).


Estivessem presentes apenas 300 Espartanos nas Termópilas; se é certo que a cidade invocara a realização do festival religioso de Carneia para se poder eximir a enviar um maior contingente de tropas (o que poderia denotar alguma má-vontade para com os parceiros da Liga, designadamente Atenas), não é menos verdade que Esparta deveria saber que contaria com um portentoso exército pela frente e, ainda assim, destacou o escol dos seus homens a fim de se sacrificar nas Termópilas: 300 homens, todos eles (segundo o relato do historiador) «com filhos» – por forma a que se pudesse perpetuar a tradição militarista da cidade –, comandados em pessoa por um dos reis de Esparta, Leônidas I.


Mesmo o pequeno número de soldados presentes por cada uma das outras cidades gregas está também relacionado com outro fato muito importante – 480 a.C. foi ano de Olimpíadas, durante as quais se proclamava a trégua sagrada e cessavam as hostilidades entre todos os inimigos na Grécia. Embora se tratasse de um inimigo externo (não-heleno), e se tratasse de uma situação de excepção, a trégua entre os Gregos não foi levantada.


Quanto ao campo do adversário, Heródoto fala em 2,1 milhões de Medo-Persas, acompanhados por 2,6 milhões de soldados auxiliares. Estes números são claramente excessivos (isto porque os Persas não dispunham de uma logística suficientemente avançada, nem tão-pouco o estéril solo grego teria capacidade para alimentar um número de indivíduos largamente excedentário face à população autóctone), quer porque Heródoto desconhecesse o número real, quer por pretender, muito provavelmente, impressionar o leitor, e realçar, por oposição, a pequenez da coligação helénica – a qual, não obstante ter perdido a batalha, acabou por, no fim, lograr vencer a guerra contra os Persas.


O Embate


Nos começos de Agosto de 480 a.C., as forças da Liga posicionaram-se no interior do estreito, com Leônidas no supremo comando, tendo este no entanto que fazer face à tentativa de deserção dos Tebanos (acusados de simpatizarem com os Medos, ter-se-ão eventualmente deslocado às Termópilas apenas para que não recaísse sobre a sua cidade a inimizade e o opróbrio dos restantes membros da Liga, e tendo já provavelmente a secreta intenção de se furtarem a meio do combate, como viria, de facto, a suceder), e aos pedidos dos seus aliados do Peloponeso, que desejavam que as forças se concentrassem no Istmo de Corinto. A tudo isto o rei espartano respondeu com mão de ferro. Colocou ainda os Fócios a guardarem a rectaguarda do estreito, por forma a evitar qualquer ataque surpresa.

Ao mesmo tempo, os Persas aproximavam-se do desfiladeiro, tendo Xerxes montado o seu acampamento no topo de uma colina sobranceira, em Mália, onde instalou também o seu trono áureo, de onde observou, durante dias, o confronto armado entre os seus homens e os irredutíveis Helenos.


Começa a batalha...


Durante quatro dias, Xerxes esperou que fossem os Gregos a tomar a iniciativa, mas como tal não se verificasse decidiu ele mesmo atacar, na madrugada do quinto dia; os seus homens, armados somente com um pequeno escudo e uma lança de menores dimensões que a dos hoplitas gregos (cujo armamento – elmo, couraça, escudo, grevas, lança e uma pequena espada – lhes dava, nesta fase do confronto, uma superioridade decisiva), ao tentarem penetrar no desfiladeiro, viram-se completamente rechaçados, pois as falanges gregas facilmente destruíam as suas lanças e, desarmando-os dessa forma, fácil foi chaciná-los em seguida.


Xerxes, que observava o espetáculo, teria dito, segundo Heródoto, ter «muitos homens, mas poucos soldados» (VII, 210). De fato, embora Xerxes dispusesse da superioridade numérica, as condições físicas do estreito impediam-no de tirar partido dessa vantagem (designadamente, pela impossibilidade de fazer aí atacar a sua célebre cavalaria).


Mesmo quando Xerxes ordenou que os arqueiros medos disparassem, os longos escudos dos Gregos protegeram-nos das flechas; é nesse contexto que Plutarco (nos seus Apótegmas dos Espartanos) atribui a Leônidas uma célebre afirmação, em resposta a um soldado que dissera que as flechas dos Medos tapavam o Sol: «Melhor, pois se os Medos taparem o Sol, combateremos à sombra» (Heródoto, porém, reporta esta afirmação a um tal Dieneces, tido como um dos mais bravos soldados de Esparta presentes neste prélio).


Plutarco afirma ainda que Xerxes procurou evitar o combate por todos os meios, tendo enviado cartas ao rei espartano, dizendo-lhe que lhe atribuiria o governo da satrápia da Grécia se este depusesse as armas e se passasse para o lado persa, ao que Leônidas teria respondido, muito laconicamente – como era característico dos Lacedemónios – «Vinde buscá-las!».


Como estas estratégias não davam resultados, Xerxes ordenou enfim que avançassem os 10 000 Imortais, comandados por Hidarnes. Tratava-se do corpo de elite da infantaria persa, o qual, de acordo com a tradição, devia o nome ao fato de, assim que morria um dos seus combatentes, este era imediatamente substituído, perfazendo dessa forma um total constante de dez mil, por isso mesmo tido como «imortais». Embora melhor treinados e melhor equipados que o resto do exército, esta estratégia não surtiu o efeito desejado, não tendo sido capazes de remover os Gregos da sua posição no interior do estreito. Inclusivamente, o rei, sentado em seu trono no alto da colina, viu morrer um irmão seu no confronto.


A traição


Ao sexto dia, o rei persa, julgando que o cansaço tivesse domado os seus oponentes, resolveu voltar a atacar; ludibriou-se, porém, e não colheu melhores frutos que no dia anterior.


Foi então que apareceu, no acampamento persa, Efialtes, filho de Euridemo de Mális, nome que tem ecoado pelos séculos fora como sinônimo de traidor. Dirigira-se ao Rei de Reis na vã esperança de obter uma compensação pecuniária a troco de revelar um caminho secreto que conduzia à retaguarda das Termópilas (onde se achavam os Fócios), através da montanha. Xerxes rejubilou com as novas, convocando Hidarnes e ordenando que os Imortais percorressem o dito caminho durante a noite, para poderem atacar os Gregos logo pela madrugada.


De fato, os Fócios, que guardavam a retaguarda do estreito, só se aperceberam da progressão do inimigo quando já era tarde demais, tendo abandonado a sua posição diante do ataque dos arqueiros Medos.


Entretanto, no interior do desfiladeiro, no acampamento dos Gregos, ultimavam-se os preparativos para aquele que viria a ser o derradeiro dia da batalha. Segundo Heródoto, um adivinho que se encontrava entre os soldados, Megístias, após analisar as entranhas dos animais sacrificados aos deuses, concluiu que a morte chegaria com a aurora (o que seria corroborado com o aparecimento de alguns desertores fócios no acampamento).


Leônidas reuniu o conselho de guerra, tendo as opiniões dos Helenos dividido-se: uns eram a favor da retirada pura e simples, para evitar uma inevitável chacina; outros defendiam que aí deviam permanecer até ao último homem. Leônidas resolveu o problema, declarando que todos os Aliados eram livres de partir, já que não sentia neles a coragem para combater; apenas ele e os seus trezentos homens não podiam desertar, pois a isso os obrigava a Constituição de Licurgo (que declarava constituir a deserção a suprema desonra para um Espartano); se pelo contrário ali permanecessem e morressem a pelejar, o seu nome seria cumulado de glória e jamais cairia no esquecimento.


Ao mesmo tempo, esta decisão do rei deve ter sido reforçada pela chegada de um oráculo da Pitonisa de Delfos; pouco antes do começo da batalha, Leônidas mandara inquirir de Apolo quem sairia vencedor da pugna, e agora a sacerdotisa do deus respondia-lhe que um dos reis de Esparta se deveria sacrificar para que a respectiva πόλις pudesse continuar de pé; se tal não sucedesse, a cidade seria reduzida a cinzas pelos Persas.


É evidente que, embora embelezem a narrativa, não há como provar a veracidade destas profecias, pelo que esta tradição poderia muito bem ter sido forjada já após a batalha; não obstante, há que ter em conta a franca popularidade de que o oráculo de Delfos desfrutou, ao longo dos séculos, no Mundo Antigo, para se poder supor que a tradição se baseia numa consulta real que Leônidas fez ao Templo de Apolo no «umbigo do Mundo».


Aliás, o mais provável é que Leônidas não tenha tido tempo sequer para pensar na glória futura; compreendendo a eminência do massacre, deverá ter ponderado ser preferível dispensar a maior parte do contingente estacionado nas Termópilas, incumbindo-o agora da organização da defesa da Grécia mais a Sul, no Istmo de Corinto, enquanto os poucos que restavam nas Termópilas protegiam a sua retirada.


A chacina


Chegara finalmente a aurora do sétimo dia; os Persas haviam já contornado o desfiladeiro, ora desguarnecido pelos Fócios, e iniciam o seu ataque por ambos os lados do estreito; os Gregos, cônscios de que não havia outra saída que não fosse a morte, pareciam não a temer e, segundo as Histórias, lutavam com ainda mais afinco que nos dias anteriores, causando grandes perdas entre os invasores.


Perante este último ataque dos Bárbaros, quebradas que estavam a maior parte das lanças gregas pelos machados dos Persas, os Helenos, cercados, enfrentaram por fim o inimigo com as espadas, numa luta corpo-a-corpo, falecendo assim de modo honroso. Dessa forma caiu Leônidas, no meio dos seus soldados, os quais, de acordo com Heródoto, ao verem o seu rei perecer, logo procuraram recuperar o seu cadáver, qual troféu de guerra que importava preservar ao máximo dos ultrajes que o inimigo lhe poderia provocar.


Com efeito, quando a batalha acabou, Xerxes dirigiu-se pessoalmente ao campo onde se travara peleja, procurando pelo corpo de Leônidas – o responsável pelo seu atraso na conquista da Grécia e pelo tão elevado número de perdas entre os seus homens –, ordenando de seguida que fosse decapitado e a sua cabeça empalada (fato que ditou, de acordo com a tradição, que a alma penada de Leônidas, vagueando no Tártaro, atormentasse Xerxes nos seus sonhos para sempre, não só por não haver celebrado as suas exéquias – parte integrante do riquíssimo ritual bélico da Antiguidade – como ainda por haver profanado o seu corpo).


Mas a salvação do corpo do seu rei não foi o único problema com que os Espartanos se debateram; a sua maior dificuldade eram as deserções que continuavam a verificar-se (Heródoto cita os nomes de dois Lacedemónios que teriam sobrevivido à batalha, afirmando mesmo que um deles cometeu suicídio por não agüentar a pressão da desonra, demonstrando assim que até entre os míticos Espartanos houve deserções, e que nem todos os Trezentos teriam morrido na batalha); a maior parte delas, porém, vinha do campo dos Tebanos, os quais, a meio da batalha, se viraram para o inimigo. Se essa traição teria sido já acordada previamente, se foi fruto puro e simples das circunstâncias em que a peleja se proporcionava, ou se trata simplesmente uma invenção de Heródoto, não se sabe. Certo é que, segundo o seu relato, Xerxes, descontente, ordenou que metade dos combatentes tebanos fosse massacrada, e a outra metade escravizada – destinando-se o castigo a punir a demora no honrar do acordo de aliança celebrado.


As Consequências


O desfecho da batalha parece ser, à primeira vista, uma retumbante vitória dos Persas. Mas bem observados os fa tos, esta vitória teve tanto de esmagadora como de pírrica.


Faleceram nas Termópilas cerca de dois mil Gregos (muito mais que os míticos trezentos Espartanos); porém, antes de caírem mortos, os Gregos infligiram um elevado número de baixas no Exército persa (dezenas de milhares de homens), isto para além de reterem a sua marcha durante vários dias; os homens e o tempo perdido nas Termópilas foram cruciais para o subsequente fracasso de Xerxes, pois nesse lapso temporal possibilitou-se a evacuação da população de Atenas (cidade que será saqueada e incendiada pelos homens de Xerxes – como represália por haver sido a grande responsável pelo desfecho da I Guerra Médica) para a vizinha ilha de Salamina, bem como a concentração das forças gregas remanescentes ao longo do Istmo de Corinto.


A batalha naval do cabo Artemísion, travada ao norte da Eubeia, escassos dias após as Termópilas, redundou num empate técnico, e só nos começos de Setembro se começou enfim a esboçar a derrota do Rei de Reis: o estratego ateniense Temístocles forçou a armada persa a entrar no estreito de Salamina; aí, as pesadas embarcações persas viram-se incapazes de manobrar diante das ágeis trirremes atenienses, tendo acabado aquelas por sofrer uma copiosa derrota, o que levou Xerxes a regressar à Ásia. No ano seguinte, o golpe final é dado em Plateias, nunca mais voltando a Pérsia a tentar invadir a Grécia Continental. As hostilidades prosseguiriam, no entanto, até à assinatura da Paz de Cálias, em 449 a.C., já durante o reinado de Artaxerxes I. O perigo medo-pérsico, nunca completamente esquecido, só seria dominado cento e cinquenta anos mais tarde, quando Alexandre III da Macedónia, o Grande, invadiu o Próximo Oriente e conquistou o vasto império de Dario III.


Os motivos


A historiografia moderna acha-se ainda contaminada pela visão que o Romantismo oitocentista legou a esta batalha: os Gregos, tradicionalmente desunidos, resolveram unir-se e lutar contra um inimigo comum, pois sentiam-se membros de uma mesma etnia – afinal, partilhavam o mesmo idioma, prestavam culto aos mesmos deuses, e celebravam comummente, por exemplo, de quatro em quatro anos, os Jogos Olímpicos, o exemplo mais demonstrativo do pan-helenismo. Agora, uniam-se para lutar contra um inimigo comum, que teria vindo para os subjugar, fazer dos livres Helenos meros súbditos do Rei de Reis; mais do que isso, uniam-se para preservar, não só a sua liberdade, como também a mais original das suas criações: a democracia, que vigorava em várias das suas πόλεις. Para isso, um grupo de soldados de élite – movidos pela virtude do heroísmo, tão apreciada pelos românticos – teria preferido pagar com a vida a defesa desses ideais, tornando-se num símbolo de coragem, espírito de sacríficio, e de resistência ao invasor.


Não é crível que os Gregos tivessem a consciência de constituírem uma Nação, no sentido que modernamente se dá ao termo (sentido esse forjado a partir do século XIX, precisamente pelos românticos). De igual modo, também parece improvável que os Helenos tenham tido a real noção de que a luta que estavam a travar era, mais que a simples defesa do seu território, um confronto de civilizações, entre valores e ideias radicalmente distintas.


Mais, a liberdade e o sistema de governo dos Gregos não estariam assim tão ameaçados pelo Império Persa (o qual, se comparado com os que o antecederam – como o assírio ou o babilônio –, era relativamente pacífico e tolerante); de fato, os Persas não foram os tiranos a que a historiografia grega alude – o desconhecimento, de parte a parte, dos costumes e tradições de cada um dos lados, levou à formação de mitos sobre ambos os povos sem qualquer fundo de verdade. Dessa forma foi fácil ao Romantismo aproveitar esses dados para fazer persistir a imagem do Persa como opressor quase até aos dias de hoje, quando na verdade, os Persas protegiam os costumes locais (foi durante o domínio persa que, por exemplo, os Judeus deportados na Babilônia regressaram a Jerusalém para reconstruir o Templo), e tinham o cuidado de não impor, nem a sua língua (usavam o aramaico, língua franca do Próximo Oriente antigo, como idioma da administração, e não o persa), nem a sua religião (o zoroastrismo) aos seus súbditos. Provavelmente o sistema democrático iria colidir com as noções de súbdito e de império, mas é bem provável que, à parte isso, os Gregos tivessem podido integrar-se, sem qualquer problema, naquele que tentou ser o primeiro grande império universal da História.


Quanto ao sacrifício dos Espartanos, tal deve ser entendido no quadro da sua própria mentalidade – como foi dito, estavam vocacionados desde a mais tenra infância para a vida militar, de tal forma que, muito provavelmente, a perspectiva de serem chacinados em combate não os terá perturbado minimamente (ainda que, não obstante, Heródoto documente dois casos de deserções entre os Espartanos).


Importância militar

As Termópilas constituem o exemplo, em termos de estratégia militar, de como um pequeno grupo de soldados bem treinados pode ter, em circunstâncias de desigualdade numérica, um grande impacto sobre um número de inimigos muito maior (tal como sucedeu também, por exemplo, no Álamo); contudo, esta estratégia só é eficaz num terreno desfavorável ao inimigo (campo fechado), pois, como foi dito, se a batalha tivesse sido travada numa planície, facilmente os Gregos sairiam derrotados.

Inspiração

O desfecho das Termópilas tem causado, ao longo da História, a maior impressão a diversos homens das letras e das artes.

Deve-se citar, entre os primeiros, o poeta Simónides de Céos, que escreveu um famosíssimo epitáfio que foi colocado no local onde a batalha se travou (o qual aparece transcrito nas Histórias por Heródoto), e que rezava o seguinte:

´Ω ξεíν´, ´αγγέλλειν Λακεδαιμονíοις ´οτι τηδε
κείμεθα τοîς κείνων ρήμασι πειθόμενοι.

O que transliterado dá:

O xein', angellein Lakedaimoniois hoti tede
keimetha tois keinon rhemasi peithomenoi.

E traduzindo para a língua portuguesa (seguindo a versão de Maria Helena da Rocha Pereira, helenista da Universidade de Coimbra), temos:

«Estrangeiro, vai contar aos Lacedemónios que jazemos
aqui, por obedecermos às suas normas.»
(in Hélade, 6.ª ed., Coimbra, FLUC, 1995, p. 148).

Também Cícero, nas suas TVSCVLANÆ QVÆSTIONES (I, 42), verteu este dístico para o latim, do seguinte modo:

DIC HOSPES SPARTÆ NOS TE HIC VIDISSE IACENTES,
DVM SANCTIS PATRIÆ LEGIBVS OBSEQVIMVR.

Ou seja:

Estrangeiro que passas, diz a Esparta teres-nos visto aqui jacentes
obedecendo às santas leis da Pátria.

O mesmo Simónides escreveu igualmente outro dístico, não tão conhecido, que canta o seguinte:

Aqui combateram um dia, contra três milhões,
quatro mil homens do Peloponeso.

Indiferente também não lhe ficou o poeta português Luís Vaz de Camões, que alude a Leónidas no passo de Termópilas no último canto de Os Lusíadas, estância 21:

«Ou quem, com quatro mil Lacedemónios,
O passo de Termópilas defende [...]»

O poeta inglês Lord Byron (conhecido pelo seu filelenismo, que o levou à Grécia recém-liberta do jugo otomano, a fim de lutar pela sua independência – quase uma reedição do conflito entre Gregos e Persas na Antiguidade –, tendo inclusivamente encontrado a morte quando os Turcos puseram cerco à cidade de Missolonghi, em 1824) alude também às Termópilas, num excerto de um seu poema, The Islands of Greece:

«[...]
Earth! render back from out thy breast
A remnant of our Spartan dead!
Of the three hundred grant but three,
To make a new Thermopylæ!»

Uma referência à batalha das Termópilas é também feita no hino nacional da Colômbia, que reza o seguinte, na sua estância IX:

«La patria así se forma,
Termópilas brotando
constelación de cíclopes
su noche iluminó
[...]»

É ainda de destacar a conhecida banda desenhada 300, da autoria de Frank Miller (1999), bem como a obra de Steven Pressfield Gates of Fire. An Epic Novel of the Battle of Thermopylæ (1998), já traduzida em Portugal.

No que toca às artes plásticas, é de realçar o óleo de David, Leónidas nas Termópilas, datado de 1814, dos alvores do Romantismo. Está patente ao público no Louvre, em Paris.

Por fim, ao nível da sétima arte, destaque também para um filme realizado em 1962 pelo polaco Rudolp Maté, The 300 Spartans, e o filme "300" , de Zack Snyder, realizado e exibido em 2007, baseado na grafic novel de Frank Miller, com Gerard Butler e Rodrigo Santoro.

Fontes

* Heródoto de Halicarnasso, Histórias, Livro VII, 202-239.
* Diodoro Sículo, Livraria Histórica, Livro XI
* Ésquilo, Persas"
* Estrabão, Geografia
* Isócrates de Atenas, Arquidamo; Panegírico
* Pausânias, Descrição da Hélade
* Plutarco, Apótegmas dos Espartanos; Apótegmas das Mulheres Espartanas; Antigos Costumes dos Espartanos; Da Malícia de Heródoto
* MACAULAY, George Campbell (1914). The history of Herodotus — Volume 2 by Herodotus, books V to IX. MacMillan and Co.. Página visitada em 24/02/2008. (em inglês)

Obras que versam sobre as Termópilas

* Frank Miller, 300, Milwaukee (Wisconsin), Dark Horse Comics, 1999.
* Steven Pressfield, Portões de Fogo. Romance histórico sobre a Batalha das Termópilas, Lisboa, Editora Ulisseia, 2004 (ed. original norte-americana: Gates of Fire. An Epic Novel of the Battle of Thermopylæ, Garden City (NY), Doubleday & Company, 1998).
* Cristina Rodriguez, "La Joven de Esparta", traducción de Lluís Miralles de Imperial, Barcelona, Grijalbo Editora, 2006 (ed. original Francesa:"Thya de Sparte" Éditions Flammarion, 2004).

Filmes
* Os 300 de Esparta (The 300 Spartans), direção de Rudy Mate, 1961.
* 300 (título original), direção de Zack Snyder, 2007.

Nenhum comentário:

Postar um comentário